Acórdão nº 0536258 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2005
Magistrado Responsável | AMARAL FERREIRA |
Data da Resolução | 07 de Dezembro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO.
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B..........., mãe da menor C........., nascida a 15/11/98, e com ela convivente, deduziu contra D........., no Tribunal da Comarca de Arouca, em 17 de Dezembro de 2003, incidente de incumprimento da sentença proferida em 25/02/2001, e transitada em julgado, nos autos de regulação do poder paternal, designadamente, na parte respeitante à prestação de alimentos devida pelo requerido, pai da menor, prestação essa que foi fixada no montante mensal de Esc. 10.000$00, a actualizar anualmente de acordo com o índice de inflação registado no ano anterior.
Alegou a requerente que o pai da menor não paga os alimentos à filha, desde Dezembro de 2003, e que nunca procedeu a qualquer actualização.
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Notificado, nos termos do disposto no artº 181º, nº 2, da OTM, o requerido confessou que não efectuou qualquer actualização, alegando ainda que as prestações se encontravam liquidadas até essa data (26/01/2004) e que não podia pagar mais, devido ao seu ordenado que era correspondente ao salário mínimo nacional.
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Solicitada informação à autoridade policial da área da residência do requerido, a mesma informou - fls. 16 - que ele se encontrava desempregado, sem auferir qualquer subsídio, sendo auxiliado por um irmão, a quem ajuda quando tem muito serviço na oficina, e que nessa situação o alimenta e lhe dá algum dinheiro para as "maiores necessidades".
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Sob promoção do Mº Público, foi solicitado ao I.S.S.S. o inquérito a que alude o artº 4º, nº 1, do DL nº 164/99, de 13 de Maio, sobre as necessidades e situação sócio-económica da menor, da sua família e do obrigado a alimentos, designadamente, sobre a possibilidade de este proceder à actualização da prestação alimentar, cujos relatórios se encontram juntos a fls. 22, 31 a 34 e 38.
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Constatada a impossibilidade de o requerido proceder à actualização da prestação alimentar, após parecer do Ministério Público nesse sentido, foi proferida decisão que fixou em 50 Euros o montante da prestação alimentar complementar substitutiva, a pagar pelo Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menor, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, montante esse que abrangia as prestações já vencidas desde o ano de 2002 e não pagas pelo progenitor.
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Discordando da decisão, dela agravou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que ofereceu alegações nas quais formulou as seguintes conclusões: 1ª: O Tribunal, com esta decisão ora recorrida, vincula o Estado/FGADM ao pagamento de prestações vencidas e da responsabilidade do progenitor da menor.
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: Não foi intenção do legislador da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio, prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos aos menores.
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: Foi preocupação do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de diploma o de evitar o agravamento excessivo da despesa pública, um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa.
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: Também o legislador não teve em vista uma situação que a médio prazo se tornasse insustentável para a despesa pública, face à conjuntura sócio-económica já então perfeitamente delineada.
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: Deve ter-se presente a "ratio legis" dos diplomas no âmbito do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores - FGDAM que, na sua razão de ser, visa assegurar a prestação dos alimentos a menores, um mês após a notificação da decisão do Tribunal, nos precisos termos do nº 5 do artº 4º do DL nº 164/99, de 13 de Maio, e não o pagamento dos débitos acumulados anteriormente pelo progenitor responsável pelo pagamento dessas prestações.
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: Dos diplomas que regem o FGADM deve fazer-se uma interpretação restritiva, pelo que o elemento gramatical tem de ser dimensionado pelo princípio hermenêutico contido no artº 9º do CCivil.
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: Assim, não se pode a nosso ver considerar ínsita nos aludidos diplomas a responsabilidade do Estado - FGADM pelo pagamento dos débitos acumulados pelo progenitor relapso.
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: A admitir o contrário, e face ao que foi dito quanto à posição do Grupo Parlamentar e a preocupação de que o legislador se revestiu no sentido de evitar um agravamento das despesas públicas, estar-se-ia a iludir o espírito da lei, apostada em não fomentar a irresponsabilidade por parte dos progenitores, quanto à obrigação de zelar pelos alimentos aos seus filhos menores.
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: Foi intenção do legislador, ficar a cargo do Estado apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo tribunal dentro de determinados parâmetros - artº 3º, nº 3, e artº 4º, nºs 1 e 5, do DL nº 164/99 de 13/05 e artº 2º da Lei nº 75/98, de 19/11.
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: Não nos parece curial que o Estado pague os débitos do progenitor relapso. O débito acumulado do devedor relapso, não será assim da responsabilidade do Estado.
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: Fazer impender sobre o Fundo a obrigação de satisfazer o débito acumulado anularia ab initio - subvertendo, efectivamente, o espírito da lei - a verificação de tal pressuposto, porquanto deixariam de subsistir prestações em dívida.
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: A Lei 75/98, de 19/11, e o DL 164/99, de 13/05, decorrem, essencialmente, da falta de cumprimento da obrigação de alimentos, por parte do devedor e da preocupação do Estado em instituir uma garantia de alimentos aos menores para lhes assegurar aqueles de que carecem.
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: Essa garantia traduz-se na fixação de uma prestação em função das condições actuais do menor e do seu agregado familiar, que podem, ser bem diferentes das que determinaram a primitiva prestação.
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: É pois uma prestação autónoma e actual, que não visa substituir definitivamente a obrigação de alimentos que recaiu sobre o obrigado a alimentos, mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária a satisfação de uma necessidade actual de alimentos.
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: Não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação alimentar fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a então fixada no âmbito do Fundo.
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: A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal, a última visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a necessária protecção à criança, relativamente ao acesso da mesma às condições de subsistência mínimas.
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: Não poderá, s.d.r., aplicar-se por analogia o regime do artº 2006º do Código Civil, dada a diversa natureza das prestações alimentares.
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: A decisão violou, assim, o artº 2º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e o nº 3 do artº 3º e 4º do DL nº 164/99, de 13 de Maio.
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: Os diplomas em apreço só se aplicam para o futuro, não tendo eficácia retroactiva (artº 12º do Código...
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