Acórdão nº 0544188 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Outubro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 19 de Outubro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: O Tribunal Judicial da Comarca de Alijó decidiu: a) «julgar verificados os elementos típicos, de carácter objectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nº1, ambos do Código Penal, e de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6º, nº1, da Lei nº22/97, de 27 de Junho, tendo os respectivos factos sido praticados pelo arguido B.........; b) declarar o arguido B........ inimputável relativamente à prática de tais factos; c) determinar o internamento do arguido B.......... em estabelecimento psiquiátrico adequado ao seu tratamento, por período não inferior a 3 (três) anos; Inconformados recorrem os assistentes rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: I. À excepção do que consta dos relatórios periciais juntos de fls. 347 a 358, não existe nos autos, nem resultou da prova produzida em audiência o menor indício susceptível de demonstrar, fundadamente e para além de qualquer dúvida, que o arguido sofresse ou sofra realmente de psicose por delírio de ciúmes; II. Só tem cabimento falar-se em psicose de delírio de ciúme quando haja, por parte do agente, uma crença inabalável, devidamente estruturada e não rebatível por qualquer argumentação lógica, de que o cônjuge ou o companheiro(a) é adúltero(a) ou o(a) trai, crença essa que é normalmente exteriorizada por comportamentos típicos ou standard do agente em relação ao seu cônjuge ou companheiro(a), tais como os enunciados de forma meramente exemplificativa no item 5 supra; III. Quer os simples ciúmes por parte do cônjuge ou companheiro(a) normalmente existentes no seio dos casais, quer as vulgares e frequentes desconfianças de adultério ou traição, ou até mesmo das desconfianças extremas, tipo paranóide, não são suficientes para que possa falar-se de delírio de ciúme; IV. O próprio arguido, de resto, na contestação que juntou a fls. 331 e ss. dos autos, negou ter ciúmes da vítima e que existissem discussões entre ambos, mais refutando que tivesse disparado sobre a C........... por ter sentido ciúmes dela; V. Também nas declarações que prestou em julgamento, o próprio arguido nunca alude a ciúmes da mulher e antes «tenta justificar» o seu comportamento com a (alegada) perda de controlo naquela concreta ocasião, em que desferiu o tiro contra a mulher, após ter pegado na arma que disse trazer debaixo do tapete do carro e lha ter encostado a cabeça, por detrás da orelha esquerda; VI. Essas declarações estão gravadas na cassete n.º 1, desde o n.º 8 ao n.º 3.701 e desde o n.º 4.088 e 4.143, e delas foram transcritos os mais significativos excertos no item 12 supra, sem prejuízo da respectiva transcrição integral, que deve ser feita pela Secretaria (cfr. Ac. Fixação Jurisprudência n.o 2/2003, pub. In DR, 1.a- A, de 30/JAN/2003), sob pena de interpretação inconstitucional da norma contida no n.º 2 do art. 101º e na parte final do n.º 4 do art. 412º do Código Processo Penal, violadora do disposto no n.º 1 do art. 20º e do n.º 1 do art. 32º da C. R. P., até porque os aqui recorrentes não dispõem de meios económicos que lhe permitam custear essa transcrição; VII. A prova consubstanciada nos relatórios periciais de fls. 347 a 358, só por si, é manifestamente insuficiente para permitir a conclusão, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido devia ou deve ser julgado inimputável, por sofrer da referida psicose por delírio de ciúmes; VIII. De resto, lidos e relidos esses dois relatórios, sobram as interrogações quanto à bondade e razão de ser das conclusões que deles constam, que claramente ultrapassam ou vão para além das respectivas premissas, tornando manifesta a insuficiência dessa prova pericial; IX. O Tribunal a quo não esgotou o seu poder-dever de indagação e busca da verdade material antes tendo aceite de forma acrítica e sem discussão as conclusões expressas nesses relatórios periciais, sem qualquer pedido de esclarecimentos complementares aos respectivos subscritores, sem sequer os ouvir em [em audiência].
X. Nessa medida, ainda por cima estando em causa nos presentes autos um dos crimes mais graves e censuráveis previsto e punido pelo nosso Código Penal (uxoricídio), ao invés de ter aceite de forma acrítica e sem discussão as conclusões expressas nos aludidos relatórios periciais, o mínimo que se impunha ao Tribunal a quo é que procurasse sanar a insuficiência e dissipar as subsequentes dúvidas e interrogações que, para o leigo em psiquiatria e psicologia forenses, inexoravelmente decorrem dos aludidos relatórios periciais; XI. E podia e devia tê-lo feito, v. g., através do recurso a qualquer uma ou até a ambas as vias previstas no art. 158º do Código Processo Penal, seja pedindo esclarecimentos complementares aos subscritores dos ditos relatórios periciais, seja ouvindo-os em audiência, seja ordenando a realização de nova perícia ou a renovação da anterior, a cargo do mesmo ou de outros peritos; XII. Não o tendo feito, o Tribunal a quo infringiu, entre outros, os citados arts. 158º, 323º, al. a), e 340º, n.º 1, todos do Código Processo Penal, impondo-se além disso a conclusão de que a douta decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova ou, no mínimo, de que o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO