Acórdão nº 399/10 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução29 de Outubro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 399/10

Processo n.º s 523 e 524/10

Plenário

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, o Presidente da República vem requerer, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, bem como do n.º 1 do artigo 51.º e do n.º 1 do artigo 62.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do n.° 1 do artigo 68° do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1° da Lei n.° 11/2010, de 15 de Junho, quando conjugada com o disposto nos artigos 2.º e 3.º da mesma Lei e, também, do mesmo n.° 1 do artigo 68° do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1° da Lei n.° 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugada com o disposto no n.° 1 do artigo 20° da mesma Lei.

  2. Tendo apresentado dois requerimentos separados, um relativo à Lei n.° 11/2010, de 15 de Junho, e outro relativo à Lei n.° 12-A/2010, de 30 de Junho, o Presidente da República fundamentou-os do seguinte modo:

    1. Requerimento relativo à Lei n.° 11/2010, de 15 de Junho

      “1.º

      A Assembleia da República aprovou, pela Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho, uma alteração ao Código do IRS com o propósito de criar um escalão adicional de tributação, sujeitando os rendimentos anuais superiores a 150.000 euros à taxa de imposto de 45%.

      1. A Lei n.º 11/2010 foi publicada em 15 de Junho e entrou em vigor em 16 de Junho de 2010.

      2. O artigo 3.º da Lei n.º 11/2010 dispõe que a entrada em vigor da mesma ocorre no dia seguinte ao da sua publicação.

      3. Tal norma de entrada em vigor permite a interpretação segundo a qual, por força dos prazos já indicados, as alterações em causa são aplicáveis aos rendimentos auferidos durante todo o ano de 2010.

      4. Com efeito, a alteração à taxa de imposto irá produzir os seus efeitos relevantes quando se proceder ao apuramento do rendimento colectável e, consequentemente, à concreta aplicação da taxa, o que só ocorrerá após a apresentação, pelos sujeitos passivos da relação jurídica de imposto, das respectivas declarações de rendimentos.

      5. Todavia, quando tal suceder, de acordo com a solução agora aprovada pelo legislador, a taxa alterada incidirá sobre a totalidade dos rendimentos auferidos durante o ano de 2010, ainda que percebidos em momento anterior ao da entrada em vigor da lei.

      6. Ora, esta interpretação das normas objecto do requerimento suscita fundadas dúvidas de constitucionalidade porquanto, ao permitir a aplicação de uma taxa de imposto agravada a rendimentos auferidos em momento anterior ao da sua entrada em vigor, parece violar o princípio da irretroactividade da lei fiscal, inscrito no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.

      7. Com efeito, prescreve aquela norma Constitucional: “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

      8. Ao pretender fazer aplicar uma taxa de imposto mais elevada a rendimentos auferidos em momento anterior ao da sua entrada em vigor, a lei revela uma vocação de aplicação retroactiva, em directa contradição com a proibição inscrita no citado preceito constitucional.

      9. Só a partir da revisão constitucional de 1997 passou a Constituição a consagrar expressamente a proibição de retroactividade da lei fiscal.

      10. É certo que, tanto a doutrina como a jurisprudência, vinham já sustentando, antes mesmo da revisão constitucional, a existência de um princípio de irretroactividade da lei fiscal baseado nos princípios da legalidade fiscal, da igualdade contributiva, da protecção da confiança dos contribuintes ou da proibição de aplicação retroactiva de leis restritivas.

      11. Já à luz da nova norma constitucional, o Tribunal desenvolveu jurisprudência consistente no sentido da inconstitucionalidade de norma fiscal agravadora com efeitos retroactivos.

      12. Entre outras decisões do Tribunal, avulta a declaração com força obrigatória geral de inconstitucionalidade de norma fiscal agravadora retroactiva proferida no acórdão n.º 63/2006.

      13. Tendo por certa a proibição de aplicação retroactiva da lei fiscal agravadora, importa verificar se, no caso em apreciação, ocorre tal retroactividade.

      14. Em apoio à interpretação da norma constitucional, é útil convocar o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária:

        “1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.

        2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”.

      15. Com efeito, tendo a lei entrado em vigor em 16 de Junho de 2010 e aplicando-se a rendimentos auferidos desde Janeiro do mesmo ano, é clara a sua aplicação a rendimentos anteriores à sua entrada em vigor.

      16. Tal significa, pois, que os sujeitos passivos cujos rendimentos irão ser submetidos à nova taxa de 45% não contavam, nem podiam legitimamente contar, com a aplicação desta nova taxa de imposto no momento em que auferiram os rendimentos durante a primeira metade do ano.

      17. Pois se a norma agravadora vai ser aplicada a rendimentos anteriores e se, no momento de cada pagamento, é possível isolar um facto tributário, pode ser feita a interpretação segundo a qual existe aplicação retroactiva da norma fiscal agravadora ou desvantajosa.

      18. Esta retroactividade é, ainda, susceptível de perturbar a confiança legítima que os contribuintes depositaram no legislador.

      19. No momento em que os rendimentos anteriores foram auferidos, os sujeitos passivos da relação jurídica de imposto sabiam que a taxa máxima aplicável seria de 42%.

      20. Sempre se poderia afirmar, é certo, que o facto tributário é de formação sucessiva, atento o princípio da anualidade do imposto. De acordo com esta leitura, os elementos da relação jurídica de imposto só se encontrariam estabilizados uma vez terminado o ano fiscal.

      21. Não deve, todavia, confundir-se relação jurídica tributária com facto tributário. Este último coincide, tendencialmente, com o momento de recebimento do rendimento. Deste modo, a formação sucessiva do facto tributário estará relacionada com a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
15 temas prácticos
  • Acórdão nº 176/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023
    • Portugal
    • 30 Marzo 2023
    ...democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.” (acórdão do TC n.º 575/2014; v., também, acórdãos do TC n.ºs 128/2009, 85/2010, 399/2010, 617/2012, 85/2013 e 171/2017, este último confrontando os limites da proibição de retroação da Lei Cabe, então, saber se a alteração introduzida pe......
  • Acórdão nº 83/07.2BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Janeiro de 2021
    • Portugal
    • 28 Enero 2021
    ...seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança…”. A este respeito, chama-se ainda à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27.10.2010, onde se refere: “[O] (…) Tribunal Constitucional, na sua mais recente jurisprudência em matéria fiscal, designadame......
  • Acórdão nº 680/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022
    • Portugal
    • 20 Octubre 2022
    ...retroatividade, a saber (cf. neste sentido, ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal Almedina, 1981, página 196, e acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 399/2010, • Retroatividade de 1.º grau, ou retroatividade própria ou autêntica, que se traduz na aplicação direta da lei nova a factos t......
  • Acórdão n.º 277/2016
    • Portugal
    • Tribunal Constitucional
    • Invalid date
    ...2.º da CRP (cf., v.g., Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 511/83, 10/84, 287/90, 330/90, 486/96, 559/98, 556/2003, 128/2009, 188/2009, 399/2010, 3/2011, 396/2011 e 355/2013);44) Neste sentido, será de sublinhar, antes do demais, a legitimidade e plena justificação cujas expectativas do......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
13 sentencias
  • Acórdão nº 176/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023
    • Portugal
    • 30 Marzo 2023
    ...democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.” (acórdão do TC n.º 575/2014; v., também, acórdãos do TC n.ºs 128/2009, 85/2010, 399/2010, 617/2012, 85/2013 e 171/2017, este último confrontando os limites da proibição de retroação da Lei Cabe, então, saber se a alteração introduzida pe......
  • Acórdão nº 83/07.2BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Janeiro de 2021
    • Portugal
    • 28 Enero 2021
    ...seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança…”. A este respeito, chama-se ainda à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27.10.2010, onde se refere: “[O] (…) Tribunal Constitucional, na sua mais recente jurisprudência em matéria fiscal, designadame......
  • Acórdão nº 680/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022
    • Portugal
    • 20 Octubre 2022
    ...retroatividade, a saber (cf. neste sentido, ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal Almedina, 1981, página 196, e acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 399/2010, • Retroatividade de 1.º grau, ou retroatividade própria ou autêntica, que se traduz na aplicação direta da lei nova a factos t......
  • Acórdão nº 01292/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Setembro de 2015
    • Portugal
    • 16 Septiembre 2015
    ...matéria colectável, sujeita a incidência de taxa especial ou a englobamento nos rendimentos das demais categorias. - O acórdão Tribunal Constitucional nº 399/10, 27 outubro 2010 (invocado pela recorrente) é inaplicável ao caso concreto na medida em que, após considerações sobre o princípio ......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT