Acórdão nº 1198/07.2TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução19 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório 1.1 Os autos na 1.ª Instância A...

, Lda. instaurou a presente acção sumária e, demandando B...

e C...

, pediu a condenação destes no pagamento (a) da quantia de 10.198,66€ de indemnização por danos, (b) nos juros de mora, e (c) a concluírem as obras de reconstrução do anexo e do abrigo de combustível, pavimentando-os com cimento, rebocando as paredes e colocando a cobertura em chapa metálica ondulada.

Fundamentam a pretensão dizendo, ora em síntese, que são arrendatários de uma imóvel que confina com outro, este propriedade dos réus, onde (estes) iniciaram obras de demolição e escavação, mas que tais trabalhos não foram executados com as cautelas que se impunham nem com a técnica constante do projecto. Com efeito – acrescentam – a escavação não foi feita por pequenos troços nem tomadas medidas de recalcamento e, por isso, provocou o desmoronamento dos muros de sustentação e separação entre os prédios e a derrocada de um anexo, bem como a abertura de um fosso que deixou a céu aberto um tanque de combustível. Porém, os réus não aceitaram a responsabilidade, o que a levou a solicitar parecer sobre as suas causas. Concretizam os danos, nomeadamente relativos à paragem da bomba de abastecimento e terminam a dizer que os demandados não concluíram as obras destinadas a repor a situação anterior.

Os réus contestaram, pedindo a improcedência da acção e, no mesmo articulado, provocaram a intervenção de D...

, invocando da sua qualidade de empreiteiro e o direito de regresso. No seu articulado, embora aceitando vários factos alegados na p.i., afirmam que o barracão não faz parte do arrendamento, e também o cumprimento de todas as regras e cautelas que a situação impunha e o projecto previa, acrescentando que as causas do desmoronamento não foram as indicadas, porque começou a chover torrencialmente e o depósito de combustível estava assente em areia, onde se foram acumulando vários resíduos de hidrocarbonetos; dizem que não havia muro de sustentação entre os prédios, nem houve aluimento de terras, mas apenas da areia impregnada com combustível; afirmam que a bomba já estava avariada no início das escavações, que os danos que aceitaram reparar são diferentes dos que ora se invocam e que as quantias pretendidas excedem muito a normal reparação da bomba.

A autora respondeu, negando a versão da contestação e reafirmando o já dito na p.i.

Oportunamente foi admitida a intervenção do chamado como parte acessória, e foi citado. Na sua contestação salientou que não foi o responsável pela direcção dos trabalhos ou pelo material utilizado e, apenas por mera cautela, acrescentou o seu desconhecimento sobre a demolição e escavação, o funcionamento da bomba de combustível ou sequer as causas do sucedido.

Apreciada, depois de contraditório, a questão do valor da causa, foi o mesmo fixado em 13.698,66€ no despacho saneador e na mesma peça relegou-se para conhecimento final a legitimidade da autora, e elaborou-se base instrutória, a qual, após reclamação, veio a ser alterada. Os autos prosseguiram com a realização da audiência de julgamento, onde, depois de inspecção ao local, se procedeu à gravação da prova. Designada data para a fixação da matéria de facto, entendeu o Exmo. Juiz que não estava bem esclarecido sobre uma das causas apontadas para o desmoronamento e, por isso, voltou a ouvir quatro das testemunhas arroladas.

Conclusos os autos, foi proferida sentença que declarou a autora parte ilegítima no que toca ao pedido de reparação dos réus a concluírem obras de reconstrução do anexo e julgou, por isso, a acção parcialmente procedente, condenando os réus a “a) pagarem à autora da quantia de €10.127,33 (dez mil cento e vinte e sete euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação, nos termos conjugados do artigo 559.º do Código Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de Junho, e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril” e “b) a concluírem as obras de reconstrução do abrigo da bomba de combustível, pavimentando-o com cimento e colocando a respectiva cobertura em chapa metálica ondulada”.

1.2 O recurso Os réus, inconformados, vieram recorrer. Pondo em causa alguma matéria de facto e a solução jurídica encontrada, entendem que a Relação deve revogar a decisão da 1.ª instância na parte em que condena os ora recorrentes. Terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões: […] A recorrida contra-alegou, pugnando, face à inobservância do disposto no art.º 690.º- A do CPC, pela rejeição dessa parte do recurso; à cautela, no entanto, discriminam as diversas provas que sustentam a correcção do decidido e defendem, igualmente, que o Direito foi correctamente aplicado, devendo improceder a apelação.

1.3 Objecto do recurso As questões a decidir, derivadas limitativamente das conclusões das alegações dos recorrentes (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, 1 do Código de Processo Civil – CPC – na redacção ainda aplicável aos autos, e sem prejuízo das que imponham conhecimento oficioso ou fiquem prejudicadas pelo conhecimento de outras) são as seguintes:

  1. Impugnação dos factos identificados com os números 14.º; 34.º; 40.º, 42.º a 46.º na sentença.

  2. Do incorrecto enquadramento do decidido no artigo 1348.º do Código Civil e inexistência da obrigação de indemnizar, atento o facto da instalação do seu depósito ser irregular, porque desconforme à lei.

  3. Da concorrência da conduta da recorrida para os danos e da significativa redução da indemnização, no termos do artigo 570.º do CC.

  4. Da consideração do relatório pericial como dano emergente.

  5. Do contrato de empreitada junto aos autos e consequente responsabilidade do empreiteiro pelos eventuais danos.

  6. Da repartição das custas.

    Os autos foram a Vistos e nada vemos que impeça o conhecimento do recurso.

    1. Fundamentação 2.1 Fundamentação de facto 2.1.1 Da impugnação dos factos identificados com os números 14.º, 34.º; 40.º, 42.º a 46.º.

    […] 2.1.2 Os factos Considerando já as alterações a que se procedeu, na sequência da impugnação feita pelos recorrentes, a seguinte a matéria de facto a considerar[1]: […] 2.2 O Direito Como se referiu, a sentença, além do mais[2][3], condenou os réus, ora recorrentes, no pagamento à recorrida da quantia de 10.127,33€, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação, e ainda a concluírem as obras de reconstrução do abrigo da bomba de combustível, pavimentando-o com cimento e colocando a respectiva cobertura em chapa metálica ondulada”.

    Nas conclusões de direito, oportunamente referidas e depuradas das que mantinham uma dependência directa com os factos impugnados, os recorrentes defendem que não há obrigação de indemnizar ou que, pelo menos, esta teria de ser reduzida (nos termos do artigo 570.º do Código Civil - CC), entendem que o custo do relatório pericial não é um dano emergente, que há responsabilidade do empreiteiro e que houve uma incorrecta repartição das custas.

    Apreciando: 2.2.1 Obrigação de indemnizar 2.2.1.

  7. Prévia apreciação metodológica O tribunal a quo integrou o deferimento da pretensão da recorrida na previsão do n.º 2 do artigo 1348.º do CC (Código de onde serão as normas doravante citadas sem outra referência) e daí fez derivar a responsabilidade indemnizatória, esclarecendo que, em tais casos, se prescinde da (prova da) ilicitude e culpa, e defendendo que o titular do direito indemnizatório é, não apenas o proprietário do prédio vizinho, mas igualmente (por interpretação extensiva) o proprietário de estabelecimento comercial instalado nesse prédio vizinho: daí, e por isso, a responsabilidade dos recorrentes, independente da (eventual) responsabilidade do empreiteiro, e o direito à reparação da recorrida, não obstante arrendatária do imóvel, já que proprietária de um conjunto de bens (estabelecimento) que foram danificados. No entanto, o tribunal, admitindo a hipótese (“ainda que não fosse”) de inaplicabilidade do citado artigo 1348.º, diz que a autora continuava a ter direito à indemnização, nos termos gerais, ou seja, nos termos do artigo 483.º, pois provou todos os pressupostos dessa obrigação (geral) e, citamos, “sempre se manteria, pois, à luz das regras gerais, a obrigação de indemnizar a cargo dos réus”.

    Os factos que, nesta parte, fundaram a decisão da 1.ª instância são os mesmos que deixámos assentes; a aplicação do direito foi a acabada de referir; o recorrente, por seu turno, insurge-se contra a subsunção normativa e afasta a sua responsabilidade com fundamento na ilegalidade (leia-se na instalação ilegal) da construção vizinha.

    A metodologia seguida na 1.ª instância (subsumindo o caso na norma especial e subsidiariamente na norma geral) parece, num raciocínio rápido, a metodologia mais adequada. Talvez o não seja, porém. E se a questão pode não levar, no final, a resultado diverso do que se alcançou na decisão sob censura, parece-nos adequado, mesmo assim, que nela nos detenhamos, porquanto (também) equaciona, como seu efeito reflexo, a discordância do recorrente.

    Perante os factos provados (que, além do mais, provam a culpa e a ilicitude), e necessariamente deles partindo, teríamos percorrido o caminho metodológico inverso, caminho esse, aliás, que terminaria logo na aplicação do artigo 483.º. Vamos tentar dizer porquê.

    O problema colocado[4], prendendo-se com o chamado concurso de normas, traduz-se, nesta oportunidade, num falso concurso (de normas), mesmo que não seja um falso problema (no contexto do recurso, desde logo). Efectivamente, como salienta a doutrina, perante normas com o mesmo conteúdo, diríamos, perante normas que concedem o mesmo direito ao pretendente,[5]e mesmo que a pretensão se apresenta multiplamente fundamentada,[6] será indiferente a opção do tribunal, órgão que escolhe o Direito aplicável (a norma), porquanto, nessa escolha, não está vinculado às partes.

    Entendemos, ainda assim, que a eventual indiferença do resultado não cauciona uma...

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