Acórdão nº 459/05.0TTFAR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução07 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - No âmbito de vigência do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar, é necessário que demonstre que prestou trabalho fora do horário normal e que esse trabalho foi efectuado com o conhecimento e sem oposição da entidade patronal.

II - Face ao disposto no artigo 258.º, n.º 5 do Código do Trabalho de 2003, ao trabalhador que invoca o direito à remuneração por trabalho suplementar compete alegar e provar que prestou trabalho fora do horário de trabalho e que tal sucedeu por determinação prévia expressa do empregador ou que a prestação desse trabalho foi realizada em circunstâncias de não ser previsível a oposição do empregador.

III - Tendo o Autor (trabalhador) alegado que efectuou trabalho suplementar diário por solicitação da Ré (empregadora), facto que foi por esta impugnado, e verificando-se que a decisão proferida sobre a matéria de facto não contem qualquer referência ao mesmo, seja enquanto facto provado, seja enquanto facto não provado, é de determinar, nos termos do disposto no artigo 729.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, a ampliação da decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão jurídica do pleito no que concerne ao reconhecimento do direito à remuneração por trabalho suplementar diário.

IV - A invocação da justa causa não é incompatível com o facto de, na carta de resolução, se «ter dado um aviso prévio de 60 dias» atenta a pretensão do Autor em gozar as suas férias antes da data da cessação do contrato.

V - O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador foi ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

VI - Está subjacente ao conceito geral de justa casa a ideia de “inexigibilidade” que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral conferida à entidade empregadora.

VII - É de afirmar a justa causa de resolução do contrato quando está demonstrado que o Autor, ao longo de quatro anos, mediante instruções expressas da Ré, prestou trabalho em dias de descanso sem que, nesse período, a Ré tivesse proporcionado ao Autor a respectiva remuneração, sendo esta violação culposa dos deveres contratuais da Ré e grave por se referir a uma obrigação estruturante do vínculo laboral, o que torna inviável a subsistência do mesmo.

VIII - Não se afigura excessiva a fixação da indemnização prevista no artigo 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 ligeiramente acima do ponto médio da moldura aí referida, ponderando que a remuneração auferida pelo Autor se situava em patamar sensivelmente superior ao da remuneração de base média mensal dos trabalhadores no território continental do país; representava aproximadamente o triplo da remuneração mínima mensal, à data vigente; e o grau de ilicitude do comportamento da Ré, por se reportar à violação reiterada de uma obrigação estruturante do contrato, assume intensidade tal que não favorece a formulação de um juízo atenuativo da correspondente censura.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Faro, em acção com processo comum, proposta em 3 de Outubro de 2005, AA demandou BB – Distribuição Alimentar, S.A.

, pedindo a condenação desta no pagamento, com juros vencidos e vincendos, da quantia total de € 50.371,04 correspondente à soma da indemnização por resolução do contrato de trabalho, pelo Autor, com fundamento em justa causa (€ 18.225,79), da indemnização por aplicação de sanção abusiva (€ 1.067,77), da retribuição de trabalho suplementar prestado em dias de folga (€ 6.458,04) e de trabalho suplementar prestado em dia de trabalho normal (€ 24.619,44).

Alegou, em síntese, que, sendo trabalhador da Ré desde 4 de Janeiro 1993, passou a desempenhar, em 1 de Dezembro de 2001, as funções de Gerente de Loja, no estabelecimento denominado “Loja 1”, em Faro, ultimamente com o salário mensal de € 1.104,59, acrescido de € 4,55 diários a título de subsídio de refeição; em 22 de Outubro de 2004 resolveu o contrato de trabalho, com justa causa, em virtude de a Ré o ter abusivamente punido com sanção de vinte dias de suspensão, com perda de retribuição e de antiguidade; para além disso, desde Outubro de 1997 que gozou apenas um dia de folga por semana, nunca tendo sido compensado pela Ré em termos remuneratórios, tal como o não foi pelo trabalho suplementar diário que prestou por solicitação da Ré.

Na contestação, a Ré impugnou os fundamentos da acção e deduziu pedido reconvencional, com fundamento na inexistência de justa causa para a resolução do contrato, consequenciando o direito a indemnização, correspondente ao aviso prévio em falta, que peticionou.

Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença, na qual se reconheceu ao Autor justa causa para a resolução do contrato, bem como o direito à remuneração por trabalho suplementar, prestado em dias de folga e em dias de trabalho normal, e, na procedência parcial da acção, condenou-se a Ré a pagar-lhe a importância de € 20.629,89 — sendo € 14.171,85 de indemnização e € 6.458,04 de créditos relativos a trabalho prestado em dias de folga —, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e os vincendos até efectivo e integral pagamento, assim como a quantia, a liquidar ulteriormente, dentro dos limites do pedido, pelo referente ao trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho, tendo sido a Ré absolvida do restante pedido e o Autor absolvido do pedido reconvencional.

  1. A Ré interpôs recurso de apelação, no qual arguiu a nulidade da sentença, impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, no tocante à prestação de trabalho suplementar, sustentou a improcedência da justa causa invocada pelo Autor e, subsidiariamente, pediu a redução do valor da indemnização.

    O Tribunal da Relação de Évora indeferiu a arguição da nulidade da sentença, alterou alguns pontos da matéria de facto, e, concedendo parcial provimento ao recurso, julgou não verificada a justa causa para a resolução do contrato por parte do Autor, e condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.033,32, relativa a trabalho prestado em dias que deviam ter sido de folga, nos anos de 2001 a 2004, acrescida de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo pagamento, e a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença, dentro dos limites do pedido, referente a trabalho suplementar prestado em dia normal, absolvendo-a do demais peticionado.

    Do acórdão que assim decidiu, foram interpostos recursos de revista pela Ré e pelo Autor, tendo, oportunamente, sido apresentadas as respectivas alegações, rematadas com as conclusões que, a seguir, se reproduzem.

    Da revista da Ré: «1. O douto acórdão sub judice considerou improcedente a apelação apresentada pela Recorrente no que se refere à matéria de alegada prestação de trabalho suplementar em dia normal.

  2. A Recorrente discorda frontalmente deste entendimento.

  3. Ao manter a decisão do Tribunal do Trabalho de Faro, o Venerando Tribunal da Relação de Évora adoptou o entendimento segundo o qual o Recorrido teria cumprido o ónus da prova que lhe incumbia, conforme resulta do disposto no artigo 342.º n.º 1 do CC, em consequência da não realização de prova por parte da Recorrente a quem, por força do disposto no n.º 2 daquela mesma disposição [caberia provar ter efectuado o pagamento].

  4. Entende a Recorrente que os fundamentos aduzidos naquele raciocínio comportam, em si, um erro na aplicação e determinação da norma aplicável.

  5. Com efeito, a inversão do ónus da prova por eventual impossibilidade de realização de prova por parte do então Autor, hipótese que apenas por mera cautela de patrocínio aqui se pondera, nunca dispensaria aquele de, ao abrigo do disposto no art.º 342.º n.º 1 do CC, alegar os respectivos factos constitutivos do seu direito.

  6. Acresce que [o] Recorrido não alegou quaisquer factos constitutivos do seu direito não permitindo, assim, caso os mesmos se considerassem provados, que a Recorrente viesse a produzir a contra prova necessária.

  7. Dispõe o Código de Trabalho aplicável, no artigo 191.º, que se considera trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho.

  8. Dispõe o artigo 159.º do Código do Trabalho que o horário de trabalho corresponde à determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário bem como dos intervalos de descanso.

  9. Prossegue-se no n.º 5 do artigo 258.º daquele mesmo diploma dizendo que “É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador”.

  10. Analisando a petição inicial apresentada, tendo em consideração as disposições legais supra, verifica-se que a causa de pedir não foi satisfeita.

  11. Diga-se que, no que concerne ao trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho, o Recorrido não alegou qual seria o seu horário de trabalho, e tão pouco alegou quais as horas prestadas fora do seu horário de trabalho.

  12. A única menção realizada pelo Recorrido em que se reporta ao período normal de trabalho seria o facto do Autor estar obrigado à prestação semanal de 40 horas de trabalho e que nada tem a haver [sic] com o(s) horário(s) de trabalho que estaria obrigado a cumprir.

  13. Não podendo, pois, sequer poder fazer vingar (por força da sua transcrição para os silogismos legais constantes no quesito que nos diz “Desde 06 de Outubro de 1997, por indicação expressa da Ré (...)” e no quesito “Tal pedido da Ré ao Autor prendia-se com motivos operacionais da própria loja e que motivaram o acréscimo suplementar de trabalho”) a afirmação constante no artigo 35.º e daquele articulado que “Por...

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