Acórdão nº 255072/09.0YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA EM PARTE.

Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.

Área Temática: .

Sumário: Não é do conhecimento oficioso a caducidade a que alude o art. 10º da Lei 23/96 de 26/6, com redacção da Lei nº 12/2008 de 26/7 (protecção concedida ao consumidor utente de serviços públicos essenciais que vão desde a electricidade, telefone até o gás, relativamente ao prazo de cobrança dos respectivos créditos de fornecimento).

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 255072/09.0YIPRT.P1 (Apelação) Apelante: B……….., Ld.ª Apelada: C……….., S.A.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO C………., S.A. intentou procedimento de injunção (posteriormente remetido à distribuição como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos, aplicando-se-lhe a regulação constante do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 08.06), contra B………., Ld.ª, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €5.158,52, acrescida de juros de mora vencidos até 27/07/2009, no montante de €1.551,61 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade comercial celebrou com a ré, em 01/10/2004, um contrato de fornecimento de bens e serviços de gás canalizado-doméstico, tendo emitido as facturas, cujos números, valores e datas discrimina, correspondentes ao período entre 29/93/2006 a 03/12/2007, que se encontram vencidas e não foram pagas nas respectivas datas de vencimento, nem posteriormente.

Contestou a ré, alegando, em síntese, que não subscreveu o contrato a que se reportam os autos, desconhecendo os factos que fundamentam a pretensão da autora, não tendo solicitado os serviços cujo pagamento é reclamado, os quais não lhe foram prestados.

Após ter sido elaborado despacho saneador, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.

Durante a mesma, a ilustre mandatária da ré, para além de ter requerido a junção aos autos de documentação em resposta aos documentos apresentados pela autora, ainda mencionou o seguinte: “…considerando que a injunção deu entrada em juízo em 27/07/2009, a Requerida foi notificada em 17/09/2009, e os serviços pretensamente fornecidos respeitam ao período compreendido entre Setembro de 2006 e Outubro de 2007, ser manifesta a prescrição do direito da Requerente de reclamar o pagamento da dívida.

Nesse sentido, o Acórdão uniformizador de jurisprudência de 03/12/09, proferido é certo no âmbito de prestação de serviços móveis de telefone, mas inteiramente aplicável ao caso, por decorrer da mesma lei.” Julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré no pedido.

Ex officio, condenou, ainda, a ré, na pessoa do seu legal representante, como litigante de má-fé, na multa de 4 (quatro) Ucs.

Inconformada, apelou a ré defendendo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que, julgando procedente as excepções de prescrição e de caducidade, a absolvam do peticionado, devendo, em qualquer caso, a matéria de facto ser alterada, ao abrigo do artigo 712.º do Código de Processo Civil (CPC), e revogada a sentença e substituída por outra que julgue improcedente a acção, ou caso assim se não entenda, deve a sentença ser revogada, anulada a decisão fáctica, no sentido de vir a ser realizado o contraditório quanto à pretensa litigância de má fé, repetindo-se o julgamento.

Nas suas contra-alegações, a apelada defendeu a confirmação integral da sentença recorrida.

Conclusões da apelação: 1. Entende a Apelante, data vénia, que a sentença recorrida merece censura e enferma do vício da omissão de pronúncia, (art. 668° nº 1 do Código de Processo Civil) quando, ignorando que na presente acção se discute a prestação de serviços públicos essenciais, omite qualquer referência à Lei 23/96, e à caducidade do direito de propositura da acção, previsto de forma inovadora, no art. n04 do 10° da lei 23/96, na redacção que lhe foi dada pela Lei 12/2008, lei esta que, aliás, tem natureza interpretativa; 2. Com efeito, a Lei n.º 12/2008 veio alterar o artigo 10.º da Lei n.º 23/96 esclarecendo (no seu n.º 1) que "o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação" dizendo o n.º 4, (alterado pela Lei n.º 24/2008) "o prazo para a propositura da acção ou injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço (...)" 3. Atentando que o n.º 4 do art. 10.º da citada Lei n.º 23/96, na sua actual redacção, estabelece um prazo de caducidade do direito de acção pelo prestador dos serviços estamos perante uma questão de conhecimento oficioso que não carece de ser invocada pelas partes (art. 333.º n.º 1 do C.C. e art. 496.º do C.P.C.) - pelo que cumpria ao Tribunal recorrido conhecer da mesma excepção, julgando caducado o direito da Apelada à propositura da acção e ao recebimento do preço; 4. Já que a injunção que deu origem à presente acção foi proposta em 27.07.2009 (reportando-se a fornecimentos de bens e serviços no período compreendido entre 29.03.2006 e 03.12.2007) e a Apelante citada em 17.09.2009 - factos que o Tribunal a quo deveria ter dado como provados; 5. Ou seja, a acção foi proposta um ano e 1 mês após a entrada em vigor da Lei 12/2008 (26 de Maio de 2008), logo de forma extemporânea; 6. Além de que só com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, estabeleceu a mesma um prazo de caducidade, um limite temporal para o exercício do seu direito, sendo que antes desta lei entrar em vigor nenhum prazo era estabelecido pela Lei n.º 23/96 de 26 de Julho.

7. Face ao exposto, e porque a lei nova veio criar um prazo que não existia na lei anterior (o que significa que anteriormente, sem prejuízo da prescrição, a acção poderia ser intentada a todo o tempo), importa aplicar nesta matéria o disposto no art. 279.º, n.º 1 do C.C. devendo contar-se este prazo de caducidade, desde a entrada em vigor da nova lei, isto é, desde dia 26 de Maio de 2008; 8. Assim, tendo a autora, apelada, intentado a acção a 27/07/2009, reportando-se a fornecimentos de bens e serviços no período compreendido entre 29.03.2006 e 03.12.2007, fê-lo extemporaneamente, porquanto tinham passado muito mais de seis meses após a data da entrada em vigor da nova lei, a 26/05/08; 9. É, pois, também por esta via, manifesta a caducidade do direito da Apelada à propositura da acção e ao direito de receber o preço; 10. Acresce que, o art. 10° da Lei 12/2008 tem natureza interpretativa, sendo, como tal, de aplicação retroactiva, logo, de aplicação ao caso sub iudice, que se reporta a fornecimentos de bens e serviços no período compreendido entre 29.03.2006 e 03.12.2007; 11. Na verdade, através da Lei 12/2008, o legislador reiterou entendimento de que não é exíguo o prazo de seis meses para a prescrição do direito ao recebimento do preço, contado desde a prestação dos serviços. Teve assim naturalmente em conta, a par do objectivo de protecção do utente, traduzida num regime que visa evitar a acumulação de dívidas de fácil contracção obrigando os prestadores de serviços a manter uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo; 12. Pretendeu o legislador, com este significativo encurtamento do prazo prescricional e fixação de um prazo de caducidade, proteger o utente dos denominados serviços públicos essenciais, de modo a evitar o avolumar de dívidas, com acumulação de juros de mora, por causa da inacção do prestador de serviços na cobrança do respectivo preço. Avolumar de dívidas esse que se tomaria insustentável se o prazo prescricional fosse o de cinco anos previsto no art. 310.º, al. g), do Cód. Civil; 13. Estamos, pois, perante uma interpretação autêntica, vinculativa e retroactivamente aplicável do n.º 1 do preceito, com o conteúdo e alcance fixados nos n.º 3 e 4; 14. Dado que a nova redacção do art. 10.º n.º 1 e 4 da Lei n.º 23/96 pela Lei n.º 12/2008, de 26.2, veio solucionar controvérsia interpretativa, tendo o legislador optado por uma das teses que, no âmbito da antiga redacção, já era sustentada; 15. Por conseguinte, neste segmento, a Lei n.º 12/2008 deve ser havida como lei interpretativa, integrando-se na lei interpretada, o que quer dizer que retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada, ficado ressalvados os efeitos já produzidos por cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por...

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