Acórdão nº 283/05.0TBCHV.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução07 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1. O contrato de abertura de conta é um negócio jurídico que marca o início de uma relação bancária complexa entre o banqueiro e o cliente e traça o quadro básico do relacionamento entre tais entidades.

Podendo considerar-se como um contrato a se: próprio, com características irredutíveis e uma função autónoma.

  1. O contrato de depósito e a conta, esta em si mesma considerada, com natureza jurídica, são realidades diferentes, que mantêm a sua individualidade.

  2. O descoberto em conta é uma operação de crédito, uma forma de concessão de crédito, que ocorre, tipicamente, quando se verifiquem dificuldades acidentais de tesouraria para cuja solução o banco consente ou tolera um saldo negativo na conta do cliente.

  3. Se a conta ficar a descoberto e o banco pagar para além dos limites do seu saldo positivo, ele torna-se credor do depositante, financiando-o.

    Ficando-se perante um novo contrato emergente de um acto que o banco praticou, no qual – e regido que é pelas regras típicas do mútuo – se mudam os termos da relação obrigacional: quem é credor é o próprio banco que financiou o depositante.

  4. Ainda que se não esteja perante um acordo bilateral expresso de vontades, no que respeita ao dito financiamento, estamos perante relações contratuais de facto, assentes em puras actuações de facto: as relações entre o banco e o cliente resultam de um comportamento típico de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, ficando tal relação sujeita ao regime do contrato de mútuo.

  5. O descoberto em conta, em si mesmo, tem relevância jurídica conferindo ao banco o direito à restituição da quantia adiantada ao cliente e a este a obrigação de a restituir.

  6. Desconhecendo-se qual a data do vencimento do descoberto em conta, por factos alegados e provados a tal propósito não haver nos autos, os juros de mora são devidos depois da interpelação judicial, ou seja, da citação.

    Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: O BANCO AA, S. A., veio intentar acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, CC , DD e EE, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 349.158,53 acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento, devendo tais juros ser calculados à taxa legal em vigor, sendo que os juros vencidos até ao momento, ascendem a €. 66.881,00, bem como o respectivo imposto de selo sobre os juros, calculado à taxa de 4%, o qual, nesta data ascende a € 4.942,55 e, ainda o que for devido sobre os juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

    Alega, para tanto, e em suma: No exercício da sua actividade bancária, aceitou, a pedido dos réus, e em nome destes, a abertura de uma conta de depósitos à ordem, à qual foi atribuído o nº 00000/0000/0000, na qual eram lançados a crédito todos os depósitos efectuados e a débito os pagamentos através dela processados.

    Desde o dia 23 de Abril de 1999 que tal conta apresenta um saldo devedor no montante peticionado, de € 349 158,53, saldo a descoberto esse que não foi pago.

    Os juros de mora até à data da propositura da acção ascendem a € 66 881,00.

    Devendo os mesmos ser pagos, à taxa legal, até à integral liquidação do devido.

    Bem como imposto de selo.

    Citados os réus, vieram contestar, alegando, também em síntese: A quantia agora pedida foi emprestada pelo Banco ao Grupo Desportivo de Chaves, em meados de 1998.

    Os réus são parte ilegítima na acção, por o contrato em questão não lhes dizer respeito.

    De qualquer forma, sempre o contrato de mútuo ora em causa seria nulo por falta de forma.

    Os juros sempre foram pagos até Junho de 2002.

    Replicou o A., mantendo a sua versão dos factos.

    Foi elaborado o despacho saneador, que julgou as partes legítimas e relegou o conhecimento da nulidade invocada para decisão final. Foi organizada a base instrutória.

    Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 533 a 535 consta.

    Foi proferida a sentença, a qual, julgando a acção procedente, condenou os réus a pagarem ao autor a quantia de € 349.158,53, acrescida de juros calculados às taxas comerciais sucessivamente em vigor até integral e efectivo pagamento, bem como no pagamento da quantia de 4.942,55 € relativa ao imposto de selo à taxa de 4% sobre os juros já vencidos e à que se vencer até integral pagamento.

    Inconformados, vieram os réus, sem êxito, interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de fls 665 a 683, foi confirmada a sentença apelada.

    De novo irresignados, vieram os réus pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na sua alegação, após convite do relator, formulado as seguintes conclusões: 1ª - De facto é verdade que o recurso da matéria de facto não é propriamente um segundo julgamento sobre essa matéria, mas também não deverá deixar de ser considerado como tal, na medida em que a matéria de facto devesse ter sido alterada.

    1. - Foi para isso que foi criado o recurso sobre a matéria de facto, ou seja para criar uma 2ª instância de reapreciação de prova, e não para nada se alterar.

    2. - Não é só o erro manifesto que deve ser tomado em conta, mas sim tudo quanto seja suficiente para alterar a matéria de facto.

    3. - Não colhe o argumento de que é o Tribunal de 1ª Instância que tem a testemunha à sua frente e que por isso só a 1ª Instância se pode aperceber das hesitações, dos "rubores" das variações de voz, da rapidez das respostas, etc, conforme se diz no douto acórdão, porque não há rubores ou falta de rubores, nem variações ou falta delas que valham ao sentido objectivo das declarações; 5ª – E, assim como o Tribunal da Relação tinha de se pronunciar sobre a invocada falta de forma do contrato de mútuo que diz existir e não o fez.

    4. - Pelo que há, claramente, denegação de Justiça e abstenção de julgar aquilo que devia ser julgado por parte do Tribunal da Relação do Porto.

    5. - Havendo assim ofensa de uma disposição expressa da lei que exigia para o contrato de mútuo a forma escrita desde que o valor fosse superior a 500.000$00, ao tempo; 8ª - E é com esta atitude que se apreciam as provas nomeadamente dando importância que não devia ter ao depoimento do Director Regional da A., que por acaso é parte interessada, até porque foi ele quem autorizou o empréstimo e como tal tem de manter a sua posição perante a sua entidade empregadora, em contrapartida com o depoimento das outras testemunhas referidas pelos RR. Recorrentes no recurso; 9ª - Onde é que retirou o Tribunal da Relação do Porto, a certeza de que a testemunha FF estava a dizer a verdade e a testemunha Sr. GG não? Onde ficou o princípio da imediação? 10ª- A justificação da testemunha GG, é esclarecedora quanto ao facto de ter, se calhar convenientemente, desaparecido o contrato de conta corrente, que contêm o pacto de preenchimento, e extraviou-se no Banco.

    6. - A Autora, nunca juntou qualquer prova de que os Recorrentes deram ordens de transferência ou tenham usado cheques desta conta para fazer quaisquer pagamentos.

    7. - Mas isso passou ao de leve e não lhe foi dada qualquer importância quando era isto que haveria de ter sido esclarecido.

    8. - Afinal se a Autora tinha a livrança em seu poder porque razão é que veio propor uma acção declarativa.

    9. - Tendo tal título na mão deveria era ter interposto acção executiva de imediato.

    10. - Aliás tal livrança nem sequer se destinava a tal fim, conforme foi alegado pelos Recorrentes.

    11. - Pelo que a matéria de facto deveria ter sido alterada da forma requerida pelos Recorrentes.

    12. - Foi violado o art. 653°, nº 2 do CPC, não tendo a alteração pretendida pelos Recorrentes posto em causa o disposto no art. 655° do CPC quanto à livre apreciação da prova.

    13. - Não existindo o tal contrato de conta corrente como contrato escrito, o mesmo não pode ser considerado e como tal as regras a aplicar serão as de um contrato de mútuo.

    14. - Contrato esse que é nulo por falta de forma...

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