Acórdão nº 4401/04.7TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução22 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : I - A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo pode efectuar-se tanto através de um contrato de trabalho como de contrato de prestação de serviços, indiciando o n.º 2 do art. 24º do DL n.º 16/94, de 22.01 ser mais adequado o contrato de trabalho, embora com adaptações justificadas pelo tipo de actividade em causa.

II - Para efeitos de qualificação contratual e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que este diploma só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.

III - Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

IV - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

V - Como característica fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, exigindo-se, apenas, a mera possibilidade de ordens e direcção.

VI - As dúvidas de qualificação que se verificam com particular expressão no domínio de actividades tradicionalmente desenvolvidas em regime de profissão liberal, hoje crescentemente inseridas em estruturas organizacionais complexas, devem ser resolvidas no sentido da subordinação quando o profissional está sujeito a medidas organizativas e a uma disciplina de trabalho em cuja definição não participa.

VII - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo estabelecido entre o Autor (Professor Catedrático) e a Ré (detentora de um estabelecimento de ensino superior privado) quando está demonstrado que: o Autor foi contratado para exercer as suas funções em regime de “tempo integral”, renunciando a igual compromisso com outra instituição pública ou privada de ensino superior ou de outro grau de ensino; o exercício das suas funções decorria no estabelecimento de ensino da Ré e em horário definido por ela, sendo o Autor avaliado pelos Departamentos desse estabelecimento de ensino; em contrapartida da sua actividade, o Autor auferia uma retribuição mensal de acordo com uma tabela fixada pela Ré, incluindo o mês de Agosto e os subsídios de férias e o de Natal; cessado o vínculo, a Ré entregou ao Autor a declaração de situação de desemprego, na qualidade de sua entidade empregadora.

VIII - A circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral, a aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho e, concretamente, do regime da cessação do contrato de trabalho no que diz respeito às suas consequências legais.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

O autor AA intentou a presente acção declarativa contra a ré BB, C..., pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e que a R. seja condenada a: a) a indemnizar o A. por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento; b) a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento; d) em substituição da reintegração, a pagar ao A. uma indemnização, cabendo ao Tribunal fixar o montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão judicial, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal; e) a pagar ao A., relativamente aos anos lectivos de 2000/2001, 2001/2002, 2002/2003 e 2003/2004, a quantia total de € 46.456,15, a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento; f) a pagar ao A. as quantias devidas pela cessação do contrato de trabalho (retribuição correspondente a um período de férias, proporcional ao tempo de serviço prestado até à data da cessação, bem como do respectivo subsídio), no valor de € 2.621,52; g) a pagar ao A. a quantia de € 150.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - A R. é a entidade instituidora do Estabelecimento de Ensino Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia.

- O A. foi admitido ao serviço da R., em 01.10.2001, mediante celebração de contrato a termo certo, pelo período de um ano, denominado "contrato de docência", para exercer, sob a sua autoridade e direcção, as funções de docente do ensino superior, inerentes à categoria profissional de Professor Catedrático, em regime de tempo integral.

- Esse contrato foi sucessivamente renovado, mediante novos acordos escritos, umas vezes pelo período de um ano e outras vezes pelo período de seis meses, até que, por carta datada de 29.07.2004, a R. comunicou ao A. que não iria proceder à renovação do contrato de docência celebrado no dia 01.10.2003.

- Atento o número de renovações do contrato de trabalho a termo certo e a duração da relação laboral, esta converteu-se num contrato de trabalho sem termo, consubstanciando assim a carta de não renovação um despedimento ilícito.

- Em função deste despedimento ilícito, e para além das retribuições devidas pela actividade normal de docência, tem ainda o A. direito àquelas que iria auferir pela sua participação no Curso de Direito do Algarve promovido pela ULHT, com inicio no ano lectivo de 2004/2005, bem como pela colaboração no Curso de Mestrado em Psicologia organizado pela ULHT, no ano lectivo de 2004/2005.

- Apesar de o A. ter sido contratado em regime de tempo integral, o que implica um número mínimo de seis horas semanais, a R. apenas atribuiu ao A., durante os diversos anos lectivos, cargas horárias de três ou quatro horas semanais, sendo que num desses anos lectivos nem lhe atribuiu sequer carga horária, pelo que tem o mesmo direito à remuneração correspondente à diferença de horas entre a carga devida e a que foi efectivamente atribuída.

- O facto de, durante um ano lectivo não ter sido atribuída ao A. qualquer carga horária, e de, durante os demais anos, a carga atribuída não ser a devida, e, posteriormente, o despedimento ilícito provocaram ao Autor danos morais (ansiedade, mau estar, angústia, tristeza e irritabilidade).

Por via da cessação do contrato de trabalho, o A. tem direito a receber a retribuição correspondente ao período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado até à data da cessação, bem como ao respectivo subsídio.

A R. contestou, alegando, em síntese: - Os contratos celebrados entre as partes são contratos de prestação de serviço e não de trabalho, uma vez que o A. prestava a sua actividade de modo absolutamente independente, sendo o serviço prestado à Universidade Lusófona e não à R.

- O A. assinou um contrato para cada ano lectivo, não se verificando a renovação do contrato inicial e o mesmo não foi despedido, tendo-se verificado apenas uma rescisão contratual nos termos previstos no contrato, a qual ocorreu por virtude de desacordo das Direcções de Departamentos onde o A. leccionou relativamente à orientação académica deste.

- O Curso de Direito do Algarve não chegou a funcionar, pois o pedido de funcionamento foi indeferido pelo Ministério da Educação, e o curso de Mestrado também nunca funcionou, nem sequer foi aprovado pelo Ministério da Tutela.

- As diferenças salariais não são devidas porque não existe contrato de trabalho, e ainda que existisse, a diminuição irreversível do número de alunos a frequentar o ensino superior público e privado sempre implicaria uma diminuição no vencimento dos docentes, proporcional à redução do "horário de trabalho".

- Desconhece os alegados danos morais invocados pelo Autor, sendo certo que situações semelhantes de inexistência de serviço docente para atribuir, em determinados anos, por parte da Universidade, são frequentes e daí não decorre qualquer diminuição da dignidade do docente.

Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova produzida, foi proferida sentença, que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu a R. dos pedidos.

Inconformado, apelou o A., pedindo a revogação da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença.

II.

Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1. O A. intentou acção contra a R. invocando em suma o seguinte: a) Ter sido admitido ao serviço da [R] em 1 de Outubro de 2000 na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, de que a R. é entidade titular; b) Por carta datada de 29 de Julho de 2004 a R. comunicou ao A. que não procederia à renovação do contrato de trabalho que assim...

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