Acórdão nº 235/07.5TTMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução22 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Ressalvadas as limitações constantes do artigo 414.º, n.º 1, parte final, e n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, a empregadora, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, está obrigada a realizar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador arguido na resposta à nota de culpa, sendo que a não realização de tais diligências, se não for devidamente fundamentada, determina a invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, a ilicitude do despedimento, nos termos do artigo 430.º, n.os 1 e 2, alínea b), daquele Código.

II - O procedimento disciplinar que a empregadora moveu contra o trabalhador — e que culminou com a aplicação da sanção de despedimento, com fundamento em justa causa — é de reputar inválido por violação do princípio do contraditório, no caso consubstanciada na falta de inquirição de três das testemunhas arroladas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, testemunhas essas também arguidas em processos disciplinares pelos factos objecto do processo disciplinar contra o aqui Autor.

III - A junção ao procedimento disciplinar de uma cópia da resposta à nota de culpa que cada uma das três testemunhas não inquiridas apresentou no respectivo procedimento disciplinar não substitui a sua inquirição.

IV - Do artigo 437.º, do Código do Trabalho, decorre que aos chamados salários de tramitação devem ser deduzidas as quantias que o trabalhador recebeu como consequência directa e necessária do despedimento, isto é, não basta que as quantias recebidas tenham sido coevas ou posteriores ao despedimento, antes importando que entre o despedimento e a percepção dessas quantias exista um nexo de causalidade de forma que se o evento – despedimento – não tivesse ocorrido, de modo algum o trabalhador teria auferido tais rendimentos ou quantias.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

O autor AA pediu, com a presente acção de processo comum, que a ré BB, S.A.

, fosse condenada a: 1. Reconhecer a ilicitude do despedimento do A.; 2. Reintegrar o A. ao seu serviço ou, se por tal optar, como veio a acontecer a fls. 676, a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade de € 17.632,00; 3. Pagar ao A. as retribuições vencidas desde o despedimento e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença; 4. Pagar ao A. a quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais e 5. Pagar ao A. juros de mora sobre as quantias acima referidas.

Alegou, para tal, em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 1989-02-08, para sob as ordens, direcção e fiscalização desta, desempenhar as funções de 1.° caixeiro, foi despedido em 2007-03-16, no fim de procedimento disciplinar, no qual a R. não inquiriu 3 das 6 testemunhas que havia arrolado na resposta à nota de culpa, o que tornou tal procedimento inválido, para além de que não existiu justa causa para a sanção aplicada, o que tudo lhe causou danos não patrimoniais, que descreve.

A R. contestou, no que aqui interessa, por impugnação, alegando, nomeadamente, que as 3 testemunhas referidas pelo A. como não inquiridas são colegas daquele, que as mesmas responderam às notas de culpa dos respectivos processos disciplinares que ela lhes instaurou e em que os acusou essencialmente dos mesmos factos, pelo que a sua inquirição equivaleria a duplicação de diligências, razão pela qual se limitou a juntar ao procedimento disciplinar do A. aquelas respostas à nota de culpa, assim cumprindo, em seu entender, o princípio da audiência do arguido e do contraditório.

Quanto ao mais, invocou que se verificou a justa causa de despedimento, tendo alegado os factos constantes da nota de culpa.

O A. respondeu, tendo concluído como na p.i..

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença, que: a) - Declarou a ilicitude do despedimento do A.; b) - Condenou a R. a pagar ao A.: - a indemnização de antiguidade de € 17.632,00; - as retribuições vencidas desde o despedimento e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença; - a quantia de € 1.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais e - juros de mora sobre as quantias referidas, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Da sentença apelou a R., pedindo que se revogasse a sentença, declarando-se verificada a justa causa do despedimento, com a sua consequente absolvição dos pedidos.

Por seu douto acórdão, a Relação do Porto julgou improcedente a apelação, tendo confirmado a sentença.

II.

Novamente irresignada, a R. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1) A decisão recorrida considerou procedente a presente acção, condenando a Ré pela ilicitude do despedimento do Recorrido, em virtude da declaração de nulidade do processo disciplinar, tendo esta origem na violação do direito de defesa do trabalhador-arguido em sede de processo disciplinar; 2) A dita violação teria tido a sua causa no facto de a Recorrente apenas ter ouvido 3 das 6 testemunhas arroladas pelo Recorrente na sua resposta à nota de culpa, sem prestar qualquer justificação para o facto; 3) A Recorrente entende ter efectivamente ouvido todas as testemunhas indicadas, e por isso não estava obrigada a justificar qualquer omissão; 4) A Recorrente acusou o Recorrido da prática de determinados actos, mas sempre em associação ou comparticipação com o seus colegas de secção, cujo depoimento foi pedido por aquele, tendo a recorrente sempre feito menção a tal associação ao longo do processo disciplinar alegando de forma circunstanciada os factos que em conjunto praticaram ou permitiram que fossem praticados; 5) A sentença considerou provado que: 13. A Ré/arguente apenas procedeu, no âmbito das diligências probatórias requeridas pelo Autor/arguido, à inquirição das três (3) primeiras testemunhas por este arroladas; 14. A Ré instaurou procedimentos disciplinares aos colegas de secção do Autor, CC, DD e EE; 15. Foi junto aos autos de processo disciplinar o relato dos factos relevantes por parte de CC, DD e EE, sob a forma escrita de defesa apresentada por cada um, conforme indicado pelo então arguido; 6) Acresce que é claro que a matéria objecto de todos os processos disciplinares era praticamente reproduzida como não poderia deixar de ser em face da comparticipação em causa – vide a este propósito as notas de culpa e respectivas defesas lavradas nos processos das testemunhas em causa! 7) Em cada um dos ditos processos disciplinares, o respectivo arguido juntou resposta à nota de culpa, apresentando a sua versão dos factos objecto dos processos; 8) Os interesses e defesas de cada um daqueles arguidos/testemunhas eram em tudo coincidentes e idênticos; 9) A Recorrente fez juntar ao processo disciplinar do Recorrido as respostas de cada um dos seus colegas de secção cujo depoimento havia sido requerido, considerando que aqueles escritos constituíam um depoimento testemunhal bastante, não as tendo inquirido pessoalmente; 10) A gestão do processo disciplinar cabe claramente à entidade empregadora, garantindo os princípios do inquisitório, do contraditório quando seja imposto por lei, ou quando se mostre adequado, da simplificação formal, da celeridade e economia processual; 11) Pode, portanto, a entidade patronal gerir a prática de actos ao longo do processo disciplinar, seja, quanto à sua prática ou omissão – caso este último em que deverá fundamentar a decisão de omitir algum acto –, seja quanto à forma ou formalidades a que a prática do acto deverá obedecer, sem que a sua substância material seja posta em causa; 12) O PROF. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado IV, pág. 327, diz claramente que “a nossa lei assenta no pressuposto de que a função da testemunha é simplesmente narrar factos”; 13) Como o PROF. ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, pág. 609, Coimbra Editora, diz que a prova testemunhal “constitui assim uma declaração de ciência (...)”, 14) Testemunha, será assim uma pessoa estranha àquele concreto processo, e que lhe traz uma narração de factos ou, se se preferir, uma declaração de ciência que ali relevam. “A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve percepção e que, consequentemente, ficaram registados na sua memória"(LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 531, Coimbra Editora).

15) E o seu depoimento não será mais do que a mera narração de factos; 16) As respostas às notas de culpa que cada um dos colegas do A. fez juntar no seu processo disciplinar contêm um relato de factos sobre o mesmo objecto do processo do próprio A.; 17) E por isso são materialmente verdadeiros depoimentos! 18) A forma de prestação do depoimento não põe em causa a natureza deste, como resulta desde logo da melhor doutrina do Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado IV, pág. 328 onde explica claramente que "Claro que, no caso figurado, a prova chega ao tribunal por meio de um escrito; o tribunal encontra-se, pois, em presença dum documento. Mas este é o aspecto formal; se atendermos, porém, ao conteúdo do escrito, havemos de reconhecer que estamos perante um testemunho, perante a simples narração de factos que o declarante pretendeu fazer chegar ao conhecimento do tribunal.

O documento contém, não uma declaração de vontade, mas uma declaração de ciência”.

19) Ou seja, o que releva é o conteúdo da declaração da testemunha, e não a forma por que possa ser prestada; 20) A diferente posição jurídica em que aquela declaração de ciência foi emitida, no caso a posição de arguido em processo disciplinar não altera o valor do depoimento, em nada prejudicando o Recorrido; 21) Muito pelo contrário, apenas favoreceu o Recorrido em virtude de permitir ao seu emitente faltar à verdade – o que não poderia se depusesse presencialmente –, e por permitir ao seu emitente juízos de valor e lógicas dedutivas e indutivas que a uma testemunha nunca deveriam ser permitidas, e que, realizadas por...

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