Acórdão nº 169/07.3JAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução15 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo comum colectivo n.º 169/07.3JAAVR do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro (comarca do Baixo Vouga), por acórdão datado de 18 de Novembro de 2009, foi condenado o arguido P... pela prática de um crime continuado de abuso sexual de criança agravadoAparece no DISPOSITIVO a palavra «gravado» em vez de «agravado», o que é manifestamente um lapso material, que se corrigirá a final.

p. e p. pelos artigos 30º, n.ºs 2 e 3, 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, alínea a) do CP (redacção da Lei n.º 59/2007 de 4/9), na pena de cinco anos e seis meses de prisão 2.

Inconformado, o arguido recorreu do acórdão, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «I- OS FACTOS 1- O facto provado como n° 1 não pode ser dado por provado na sua globalidade porque o documento de fls. 14 (certidão de nascimento) só refere a filiação no que à mãe diz respeito. E tal prova só documentalmente pode ser feita.

2- Os factos provados como n° 2, 3 e 4 deveriam ter sido dados por não provados porque da prova produzida resulta essa conclusão.

3- A tal propósito, temos o depoimento do arguido da ofendida Íris, os relatórios da medicina legal, ginecológico e psicológico com esclarecimentos escritos na parte ginecológica quanto à I...e o relatório psicológico realizado ao arguido.

4- Quanto ao interrogatório do arguido o mesmo nega tais factos por completo, quanto ao depoimento da I...e um depoimento que não está espaço temporalmente enquadrado, com escassos pormenores acerca dos factos, diz mesmo que não se lembra do que diz ter sido a 1a vez e faz situar essa tal 1ª vez com uma cena em que o pai bateu na mãe quanto tal facto ocorreu um ano antes (Abril de 2003 e consta dos autos).

5- Quanto ao relatório médico-legal psicológico e de ADN não se pode retirar já que dos mesmos não há qualquer lesão recente ou antiga.

6- Quanto ao relatório psicológico à menor o mesmo refere nas suas conclusões que “o relato dos factos poderá corresponder à sua efectiva ocorrência mas ficamos pela forma verbal, poderá ou não.

7- A Senhora Perita em audiência que elaborou o relatório da I...relatou que a menor tem um nível intelectual acima da média e que no questionário de Eysenk revelou estabilidade emocional, o que não é compatível com criança abusada.

8- O relatório psicológico feito ao arguido revela “não ser possível concluir pela compatibilidade dos factos com a personalidade do arguido” e tal relatório foi completamente desatendido e desconsiderado pelo Tribunal.

9- O facto provado como n° 5 não deveria ter sido dado por provado.

10- Temos a tal propósito o depoimento do arguido que negou tal comportamento e o da ofendida I...que começa por situar tal actuação em Aveiro para depois dizer que a final é Gafanha da Nazaré, bastante escasso no qual a menina diz sempre: “não sei”, “não me lembro”.

11- Aliás, o que resultou provado como n° 5 não é sequer acto sexual de relevo.

12- Factos provados n° 6, 7 e 8 - tais factos não podiam ter sido considerados provados.

13- A este propósito temos o depoimento do arguido, o depoimento da ofendida Íris, os relatórios de medicina legal ginecológico e psicológico com esclarecimentos adicionais na parte ginecológica quanto à I...e no relatório psicológico realizado ao arguido.

14- Quanto ao depoimento do arguido o mesmo negou os factos não tendo maneira de provar o que não fez, o depoimento da I...é escasso em pormenor, desde logo não se entende porque se vai (a pedido da mãe e para tomar conta de um bebé) deitar na cama dos pais, sem a mãe, quando o pai está lá a dormir.

15- Dos relatórios médico-legais ginecológicos e de ADN nada se pode retirar para prova dos factos em questão. O mesmo conclui não haver quaisquer lesões recentes ou antigas, nem sequer vestígios de equimoses quando o exame foi feito nas 24/48 horas (exame dia 30, queixa na madrugada de 29 para 30).

16- De resto o relatório psicológico feito ao arguido revela “não ser possível concluir pela compatibilidade dos factos com a personalidade do examinado.

17- O Tribunal recorrido não tomou este relatório em consideração.

18- O facto provado como o n° 9 é conclusivo dando-se por reproduzido tudo o que antes se disse.

19- O facto provado como n° 10 também ele conclusivo dá-se por reproduzido o alegado a propósito da prova do facto 1°.

20 - Quanto ao facto n° 11 também conclusivo, nada como se vem dizendo permite dá-lo por provado.

21- O facto dado por NÃOHá aqui um manifesto «lapsus calami» pois tal facto foi dado como NÃO PROVADO e não como PROVADO.

provado como X devia ter sido dado por provado já que há documentos juntos aos autos e as testemunhas abundantemente o referiram (testemunha L..., M..., A..., J..., S... e B... , gravados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal).

22- Em 20 e 21 da contestação o arguido refere dois factos aos quais as testemunhas (testemunha L..., M..., A..., J..., S... e B..., gravados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal) se pronunciaram e o acórdão nada refere.

Sem prescindir, II - MEDIDA DA PENA 23- Na determinação da medida da pena o Tribunal recorrido ponderou designadamente o seguinte: - ao grau elevado da ilicitude dos factos, tendo em conta as circunstancias em que os mesmos ocorreram, em situações de particular vulnerabilidade da menor Íris, que se encontrava na cama em duas das ocasiões além de ocorrer nessa altura contacto entre os órgãos sexuais, além de que se tratou de três actos separados no tempo, à elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, com que o arguido actuou querendo satisfazer os seus desejos sexuais como conseguiu; à existência de antecedentes criminais por parte do arguido, encontrando-se agora a cumprir pena de prisão; a sua integração laboral e social; não o beneficia a sua postura em audiência negando os factos não revelando assim arrependimento.

  1. Não cuidou o Tribunal, a dar-se por provados, todos os factos, que como tal aparecem no acórdão, das reais circunstancias em que os factos terão decorrido designadamente que o arguido não ordenou à I...qualquer conduta, como constava da acusação, considerou o elevado grau de ilicitude quando esse grau já faz parte do tipo, esquece que não se tratou de três actos como diz, mas dois já que o facto provado como n° 5 não se traduz em acto sexual de relevo, ao dolo que é de mediana gravidade, não cuidou que os antecedentes criminais são antigos, de nenhum relevo (v.d. condução ilegal pelo qual cumpre pena) e sem qualquer semelhança com os actuais factos, está socialmente integrado, tem trabalho, tem uma nova família e filhos que de si dependem.

  2. A pena na qual foi condenado, não é proporcional, não se conforma com a Lei, não se revelando justa, nem adequada às circunstâncias do caso.

  3. De acordo com o artigo 40 do Código Penal “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e nos termos do n° 2 do artigo 71 do mesmo Código “na determinação concreta da medida da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente, pelo que deveria ter sido fixada a medida concreta da pena de prisão perto do seu limite mínimo.

    III- SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA 27- No pressuposto de que a medida concreta a aplicar é bem inferior à que vier a ser aplicada por este Tribunal diga-se que a pena de prisão aplicada em medida não superior a (5) cinco anos deve ser suspensa na sua execução nos termos do artigo 50º do código Penal, sempre que, atendendo à personalidade do agente às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstancias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizem de forma adequada as finalidades da punição.

  4. Não são considerações de culpa que influem na questão da suspensão da execução da pena mas razões ligadas às finalidades preventivas da punição sejam as de prevenção geral positiva ou as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em questão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral.

  5. Existe, em nossa opinião, um Juízo de prognose positiva que pode ser feito neste momento, o da decisão, e assim beneficiar do instituto em questão.

  6. O arguido recorrente está socialmente inserido, tem uma nova família, tem trabalho e tem filhos menores que de si dependem. Os antecedentes criminais que tem, são antigos e por factos completamente diversos dos que aqui se trata (v.d. condução sem habilitação).

  7. A perspectiva de integração e de socialização de uma pessoa, nas condições do arguido, aconselham a que a realização de tais finalidades seja procurada em liberdade com eventual acompanhamento por parte dos serviços de reinserção social.

  8. Sendo possível formular um juízo de prognose positivo, concluir-se que a censura do facto e a ameaça da prisão eventual acompanhada de um plano de reinserção social serão suficientes. Plano esse que poderá ser o regime de prova nos termos conjugados dos artigos 50° e seguintes do Código Penal.

    Termos em que, se pede a Vossas Excelências considerem: a) Diversos os factos provados, divergência essa no sentido agora apontado, e absolvição do arguido b)- Houve factos na contestação que não foram considerados pelo que há omissão de pronúncia.

    Sem prescindir, c)- A medida da pena é exagerada e deve ser situada perto do limite mínimo, atenta a moldura penal Depois, d) Deve a mesma ser suspensa na sua execução, Como é de Justiça».

  9. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, assim dissertando (em transcrição): «1ª- O facto provado sob n°1 respeita o conteúdo de documento de fls.

    14, pois no verso do mesmo vem registada, por averbamento, a paternidade da ofendida Íris, atribuída ao arguido, ora recorrente.

    1. - Os factos julgados sob n°2 a 8 são o reflexo, da abundante prova produzida em audiência de julgamento, do depoimento directo prestado pelo menor ofendida, em...

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