Acórdão nº 79/07.4GCSRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução15 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos C, filho de A e de M, natural ….e concelho de …, nascido em 22 de de 1984, solteiro, servente de pedreiro, residente …, Cernache de Bonjardim; e J, filho de J e de MO natural …, nascido em 05 …de 1983, solteiro, pintor, residente … Proença-a-Nova, imputando-se-lhes a prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, em conjugação com o art. 26.º, do mesmo Código.

A demandante «J..Filhos, Lda.» deduziu pedido de indemnização civil contra os demandados – aqui arguidos -, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 85,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal, desde a notificação a que se refere o art.78º, do C.P.P., até integral pagamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 10 de Dezembro de 2009, decidiu: - julgar improcedente, por não provada, a acusação pública e, consequentemente, absolver os arguidos C e J., da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, n.º 2, f), ambos do Código Penal; e - julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil, dele absolvendo os demandados.

Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1 - Por se impugnar matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 al. a) do CPP indica-se que os pontos que, concretamente, se reputam incorrectamente julgados são todos os factos dados como não provados, titulados como os factos não provados da douta acusação pública e indicados a fls. 5, 6 e 7 do acórdão recorrido.

2 - Os arguidos C e J foram absolvidos da prática do crime de roubo agravado p. e p. pelo art.210.º, n.º 1 e 2 al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al, f) ambos do CP, pelo qual vinham acusados.

3 - A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação da prova constituída pelos autos de reconstituição do crime, na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, deveria merecer uma diferente conclusão.

4 - Considerou o tribunal recorrido, no que respeita à reconstituição do facto, que esta só teve lugar após a tomada de declarações aos arguidos, nessa qualidade e que a ser valorado na parte confessória era uma forma de ludibriar a proibição de prova prevista no art. 356.º, n.º 7 do CPP.

5 - Ora, o meio de prova previsto art. l50.º do CPP, tendo um valor de prova permitida em julgamento, com autonomia, pode contar com a colaboração do arguido e pode seguir-se à confissão deste. Tem ainda a vantagem de materializar e objectivar o carácter pessoal da confissão, prevenindo alterações de estratégia de defesa em audiência. (Simas Santos e Leal Henriques, no CPP anotado, 2.ª edição,1999,I Vol., pag.794).

6 - O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado a reconstituição do facto como um meio de prova autonomizado que não impondo a participação do arguido, não a exclui, quando este se disponha a participar, não estando os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a diligência pode prestar declarações sobre o modo como decorreu e os termos em que decorreu. Tais declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto não estão abrangidos na proibição do art.356.º, n.º7 do C.P.P. ( Ac STJ de 5-1-2005, proc. n.º 04P#”/&, in www.dgsi.pt).

7 - No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal, em, acórdão de 20-4-2006, proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, especificando que os contributos verbais do arguido, para o modo como a reconstituição é feita, não se reconduz ao estrito conceito processual de declarações, por serem instrumentais em relação à recriação do facto. Mesmo que prestadas a solicitação de órgão de polícia criminal não são informações prestadas pelo arguido à margem do processo, nem conversas informais, pois que se destinam a esclarecer o auto de reconstituição, meio de prova previsto no art.150.º do CPP, de acordo com o mesmo acórdão.

8 - Não podia o tribunal recorrido considerar que o depoimento prestado pelo Cabo Chefe da GNR, J, em audiência não podia ser valorado sob pena de estar a valorar um meio de prova proibido nos termos do art. 356.º, n.º 7 do CPP, nem por esta via desvalorizar o meio de prova dos autos constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150º do CPP.

9 - À luz das regras da experiência comum a realização de um auto de reconstituição, com contributos do arguido, sempre corresponderá a uma certa e determinada confissão a apreciar pelo tribunal de acordo com as regras do art. 127.º do CPP.

10 - Nos autos foram apresentados como meios de prova dois autos de reconstituição, a fls. 36 e segs. e a fls. 40 e segs. feitos com a colaboração dos arguidos C e J, respectivamente.

11 - Tais autos foram confirmados e explicitados pela testemunha Cabo Chefe, J em audiência. (Sessão de 3/12/2009 – J -, ao minuto 3 a7).

12 - Os dois autos de reconstituição foram feitos de forma autónoma entre si, na medida em que na sua actuação os arguidos repartiram tarefas, tendo estão em locais diferentes, embora numa actuação concertada, para a prática em que decorreu.

13 - Da análise dos autos de reconstituição verifica-se que os mesmos encaixam entre si nos momentos em que são comuns e, da mesma forma, com análise conjugada com o depoimento prestado pela testemunha A - funcionário da bomba de Gasolina - verifica-se uma total coincidência com referido nos autos de reconstituição, no que a esta última diz respeito.

14 -E ainda certo que o auto de apreensão de fls, 19 e 20 (de um gorro e de uma faca) só aconteceu por espontânea colaboração do arguido C que os apresentou à GNR, sendo que tais objectos, sem terem sido reconhecidos com rigor pela funcionário da bomba (aliás, nem o poderiam ser, a nosso ver.), o certo é que foi referido por esta que o gorro e a faça usados tinham as mesmas características daqueles que foram apreendidos.

15 - Desse modo, da conjugação das diversas provas apresentadas em audiência, quer entre si, quer com as regras da experiência comum, evidencia-se a veracidade da reconstituição do crime efectuada pelos arguidos, não estando o tribunal em presença de autos de reconstituição de factos que não ocorreram ou que não podiam sequer ter ocorrido.

16 - Por acórdão de2-4-2008, proc. n.º 154/|06.1PBAVR, o Tribunal da Relação de Coimbra aceitou depoimentos de órgãos de polícia criminal que tinham recolhido declarações, cuja leitura não seja permitida, quando estes tenham também participado em auto de reconstituição e o depoimento se reporte a este meio de prova, pois que a participação do arguido no auto de reconstituição não envolve a repetição de declarações do arguido.

l7 - Os autos de reconstituição, tendo sido legalmente realizados, nos termos do art.150.º do CPP e não tendo sequer sido questionado pela defesa que os arguidos tivessem sido determinados “a participar por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas formulas referidas como métodos proibidos enunciados no art.126.º do C.P.P.”. (Ac. STJ de 5-1-2005 atrás citado), não estamos perante provas que não sejam permitidas em audiência, nos termos dos artigos 355.º, n.º 2 e 356.º, n.º 1 al. b) do CPP.

18 - O depoimento da testemunha Cabo-Chefe da GNR ao depor sobre a matéria constante dos autos de reconstituição, bem como sobre a participação dos arguidos nos mesmos autos, não é uma forma de contornar ou de ludibriar o que dispõe o art. 356.º, n.º 7 do CPP.

19 - Ao valorar de forma diferente o Tribunal recorrido violou o que dispõem as referidas normas processuais penais e ainda o disposto nos artigos 150.º e 127.º do mesmo diploma legal.

20 - O tribunal na sua motivação apresenta um raciocínio que, ao fazer a apreciação das provas para obter os factos provados e não provados, exclui o valor dos autos de reconstituição por ter sido feito apenas após a tomada de declarações aos arguidos, nesta qualidade, bem como do depoimento do elemento de polícia criminal que neles participou, o que, a ser valorado na parte confessória consubstanciaria uma violação do disposto no art. 356.º, n.º 7 do CPP.

2l - Não fez, a nosso ver, o tribunal uma correcta apreciação ou exame crítico da prova, sempre na conjugação dos autos de apreensão e dos autos de reconstituição com a globalidade da demais prova produzida, em violação as normas citadas em conjugação com o disposto nos art. 374.º, n.º 2 do CPP, sendo nulo o acórdão nos termos do art. 379.º, n.º 1 al. a) do diploma legal.

22 - Desse modo, mostram-se incorrectamente julgados todos os factos dados como não provados da acusação pública tal como resulta titulado e indicado no acórdão recorrido a fls. 5, 6 e 7 que, de acordo com o nosso entendimento deverão ser dados como provados e o acórdão substituído por outro que considere tais factos provados e que condene os arguidos pela prática do crime de roubo pelo qual estão acusados ou então se determine a repetição do julgamento nesta conformidade.

Pelo exposto, revogando o douto acórdão recorrido nos termos sobreditos Vossas Excelências farão Justiça.

O arguido C respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela improcedência deste, por não provado, e consequente confirmação do douto acórdão recorrido.

Também o arguido J respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela improcedência deste, por não provado, e consequente confirmação do douto acórdão recorrido.

A Ex.ma Procuradora-geral-adjunta...

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