Acórdão nº 06492/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução23 de Setembro de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A...e Laboratórios B..., Lda., ambas as sociedades com os sinais nos autos, inconformadas com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vêm recorrer, concluindo como segue: 1. A decisão recorrida enferma de erro de julgamento, na parte em que decidiu julgar que o registo nacional da AIM concedidas por órgão da Comunidade Europeia é um mero acto de execução daquela decisão e que não é susceptível de ser contenciosamente impugnado.

  1. Os actos de atribuição de números de registo de AIM praticados pelo Infarmed configuram actos administrativos, lesivos, com eficácia externa e não meros actos de publicidade ou execução.

  2. É através destes actos que as AIMs concedidas à Contra-Interessada pela União Europeia podem ser implementadas em Portugal, permitindo-se dessa forma a comercialização dos correspondentes medicamentos genéricos no território nacional.

  3. Os actos de implementação em Portugal de AIMs concedidas ao abrigo de procedimento comunitário centralizado têm uma função própria, que excede os limites do acto através do qual foi concedida a AIM.

  4. Caso contrário, nem se descortinaria qualquer utilidade para a previsão da necessidade de implementação de AIMs concedidas pela União Europeia em cada um dos diferentes Estados-Membros.

  5. O Infarmed, ao proceder à implementação em Portugal de AIMs concedidas pela União Europeia, deve respeitar o "bloco de legalidade" consignado no artigo 3ºdo CPA, tendo o dever de averiguar se essas AIMs são susceptíveis de lesar interesses e direitos de terceiros legalmente protegidos pela lei Portuguesa, tal como os direitos de propriedade industrial.

  6. Este controlo, que deve ser exercido pelo Infarmed relativamente à salvaguarda de direitos fundamentais de terceiros, é autónomo e distinto daquele efectuado pelas entidades da União Europeia que concedem AIMs para medicamentos genéricos, porquanto a implementação num Estado-Membro de uma AIM concedida a nível centralizado pode colidir com direitos de propriedade industrial em vigor nesse Estado-Membro, nomeadamente, quando ofenda patentes válidas cujo âmbito de aplicação territorial se circunscreve apenas a um ou alguns Estados-Membros em que ocorreu a implementação daquelas AIMs.

  7. O acto de implementação de uma AIM concedida pela União Europeia pode assim padecer de vícios próprios, independentemente do acto de concessão da AIM a que diz respeito.

  8. Por outro lado, os actos suspendendos afectam a situação jurídico-administrativa das Requerentes, neste caso, dos seus direitos de propriedade industrial, uma vez que são estes que permitem a implementação das AIMs dos medicamentos genéricos em Portugal, território para o qual as Requerentes têm patentes válidas, que lhes conferem o exclusivo da exploração de medicamentos com a substância activa Sildenafil.

  9. A implementação, pelo Infarmed, das AIMs em questão viola os direitos de propriedade industrial das Requerentes em Portugal, sendo, por esta razão, um acto lesivo com eficácia externa. Pelo exposto, 11. Ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, os actos de implementação ora suspendendos não são actos de mera execução dos actos de concessão das AIMs correspondentes, mas sim verdadeiros actos administrativos lesivos e autonomamente impugnáveis, pelo que não se verifica, nos termos da segunda parte da alínea b) do nº l do artigo 120° do CPTA a existência de qualquer circunstância que obste ao conhecimento do mérito da acção principal e que obste a que seja adoptada a providência cautelar requerida.

  10. A decisão em crise incorreu em erro de julgamento na apreciação dos requisitos de procedência da providência cautelar, concretamente o requisito a que se refere a al. b) do nº l do artigo 120º do CPTA in fine e em violação desta disposição legal. Finalmente, 13. Tal como as Requerentes demonstraram no Requerimento Inicial da presente providência - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - encontram-se inequivocamente preenchidos os demais requisitos de que o artigo 120º, n° l, al. b) do CPTA faz depender a concessão da providência, ou seja a aparência de bom direito (fumus boni juris) e a existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumada ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Recorrente pretende ver reconhecidos no processo principal (periculum in mora) pelo que deve ser decretada a providência com fundamento na verificação de tais requisitos.

    Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, requer-se aos Venerandos Desembargadores deste Tribunal que se dignem revogar a decisão do Tribunal a quo e substituí-la por decisão que decrete a suspensão de eficácia do acto através do qual o Conselho Directivo do Infarmed implementou em Portugal a AIM do medicamento genérico de Sildenafil "Actavis" (nas dosagens 25, 50 e 100 mg), por meio da atribuição, em 10 de Dezembro de 2009, dos respectivos números de registo 5258249, 5258256, 5258264, 5258272, 5258215, 5258223, 5258231, 5258207, 5258306, 5258314, 5258322, 5258330 à Sociedade Actavis Group.

    * O Recorrido Infarmed – Autoridade Nacional da Farmácia e do Medicamento contra-alegou, concluindo como segue: 1. Na presente demanda, as oras Recorrentes deduziram uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de actos de atribuição de números de registo a AIMs demitidas pela Comissão europeia, no âmbito do procedimento descentralizado, a medicamentos genéricos com o principio activo "Sildenafil" tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal a quo.

  11. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adopção da mencionada providência cautelar.

  12. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que os actos em causa são inimpugnáveis, circunstância que obsta ao conhecimento de mérito da acção principal, e que consequentemente obsta igualmente a que seja adoptada a providência cautelar requerida.

  13. Em suma, e não se verificando In totum, no caso subjudice, os requisitos necessários para a concessão da providência cautelar requerida, deve ser julgado improcedente o recurso das Recorrentes, mantendo-se a douta sentença recorrida.

    Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes, mantendo-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

    * A Contra-Interessada C...contra-alegou, concluindo como segue: 1. O recurso apresentado pelas Requerentes A...e Laboratórios B..., Lda, ao qual ora se responde, vem interposto da douta sentença datada de 29 de Abril de 2010, que indeferiu a providência cautelar intentada por estas, com vista à obtenção da "suspensão da eficácia dos actos administrativos de implementação nacional de autorização de introdução no mercado do medicamento genérico Sildenafil Actavis, aprovada por via de procedimento comunitário, através dos respectivos números de registo 5258249, 5258256, 5258264, 5258272, 5258215, 5258223, 5258231, 5258207, 5258306, 5258314, 5258322, 5258330".

  14. Ora, é manifesta a improcedência do presente recurso, porquanto a douta sentença recorrida fez correcta interpretação das disposições legais aplicáveis, sendo os juízos nela contidos absolutamente irrepreensíveis.

  15. O medicamento genérico da ora Recorrente, nas suas várias dosagens, foi objecto de autorização de introdução no mercado ao abrigo do procedimento centralizado, previsto no art. 542 do Decreto - Lei n.e 176/2006, de 30 de Agosto (adiante "Estatuto do Medicamento"), sendo tal procedimento centralizado de obtenção de autorização regido pelo Regulamento (CE) nº 726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 (adiante, abreviadamente, "Regulamento"), tal como mencionado pelas Recorridas a fls. 5 e 6 do recurso a que ora se responde.

  16. Como expressamente admitem as Recorridas, a entidade que procedeu à emissão da autorização de introdução no mercado do medicamento genérico Sildenafil Actavis, nas suas apresentações e formas farmacêuticas, foi a Comissão Europeia.

  17. Nos termos do mencionado Regulamento Comunitário: a) compete à Comissão Europeia, através da Agência Europeia de Medicamento, exercer e praticar todos os actos e diligências necessários à avaliação e concessão das autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano, em função dos pedidos que lhe sejam dirigidos ao abrigo do procedimento centralizado, exercendo, por isso, competências similares às que as leis nacionais de cada um dos Estados-Membros reservam às respectivas autoridades de saúde, quando se trate de pedidos de autorização de introdução no mercado de medicamentos que lhes sejam dirigidos pela via nacional; b) compete, igualmente, à Comissão, e apenas a esta, proceder à alteração, suspensão ou à revogação de autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano que tenham sido obtidas através do procedimento centralizado (cfr. art. 812, n.2 2 do mencionado Regulamento), isto porque, nos termos do Regulamento, uma autorização de introdução no mercado conferida de acordo com os termos desse Regulamento "é válida em toda a Comunidade" (cfr. respectivo art. 132, n.2 1).

  18. Ora, face a este regime facilmente se depreende que a autoridade de saúde de cada Estado, em Portugal, o Infarmed, só pode limitar-se a atribuir um número de reRisto à autorização já concedida, "em termos a definir por regulamento do mesmo Instituto", nos termos do art. 54º, nº 2 do Estatuto do Medicamento (este procedimento foi regulado em Portugal pela deliberação do Conselho Directivo do Infarmed de 16.7.2009, com o nº 147), não podendo proceder, sequer, a qualquer avaliação técnica ou científica do medicamento genérico já autorizado pela Comissão Europeia, conforme resulta daquela mesma deliberação e, por maioria de razão, não podendo, igualmente, tomar em conta, no acto simples de atribuição do número de registo, como pretendem absurdamente as Recorrentes, a existência de quaisquer direitos de...

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