Acórdão nº 870/09.7TBCTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução28 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I) - A Lei 61/2008, de 31.10, aplica-se à acção autónoma intentada na vigência dos normativos que alterou no que respeita às responsabilidades parentais, porque, pese embora estar findo o processo de divórcio que regulou o poder paternal que correu pela Conservatória do Registo Civil, não se pode considerar que o processo estava pendente no Tribunal – (o art. 9º daquela Lei estabelece que o regime que institui não se aplica aos processos pendentes no Tribunal).

II) – O regime legal instituído por aquela lei, no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais, mormente, no que respeita ao seu nº6 do art. 1907º do Código Civil, aplica-se imediatamente às acções intentadas após a alteração legislativa, e ao impor o dever de informação ao progenitor que não exerça no todo ou em parte as responsabilidades parentais, sobre a educação e as condições de vida do filho aplica-se à mudança de domicílio do menor para país estrangeiro, para acompanhar a sua mãe – a quem foi confiada a guarda – por se tratar de questão de particular importância para a vida do filho – nº1 do art. 1906º do citado Código.

III) – A Lei 61/2008, de 31.10, veio alterar não só a terminologia legal, substituindo a designação de poder paternal por responsabilidades parentais, assim pretendendo em nome dos superiores interesses dos menores afectados por situações familiares dos seus pais, defendê-los e envolver os progenitores nas medidas que afectem o seu futuro dos filhos, coenvolvendo-os e co-responsabilizando-os, não obstante a ruptura conjugal, preservando relações de proximidade e consagrando um regime em que mesmo o progenitor que não detenha o poder paternal deve ser informado e, assim, ser co-responsável pela educação e destino do filho, pelo que tais normativos são preceitos de interesse e ordem pública.

IV) - A recorrida ao tomar por si, única e exclusivamente a decisão de abandonar Portugal para se fixar com o filho menor na Suíça, ancorada no facto de o ter à sua guarda, não só violou o dever de informação e participação do recorrente, num aspecto da maior relevância para o futuro do menor, obrigação a que estava obrigada por força do nº6 do art. 1906º do Código Civil, na redacção da Lei 61/2008, de 31.10, como também privou o Tribunal de se pronunciar, ante a patente discordância do progenitor que não tem a guarda do filho.

  1. -A Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia em 5 de Outubro de 1961, aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos Estados contratantes.

    VI) – No momento em que a acção para alteração da regulação do poder paternal foi instaurada, a criança tinha a sua residência na Suíça com carácter de estabilidade, acompanhada pela sua mãe.

    VII) – As disposições da Convenção podem ser afastadas pelos Estados contratantes se a sua aplicação se revelar incompatível com a ordem pública.

    VIII) – Mesmo num caso em que a guarda da criança está confiada a um dos progenitores – não existindo responsabilidade parental conjunta – constitui, inquestionavelmente, norma de interesse e ordem pública aquela que prescreve o dever de informação “ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais” e esse dever de informação já estava consagrado na lei em vigor no momento em que a mãe da criança deixou Castelo Branco rumo à Suíça.

    IX) – A Convenção não parece excluir a sua competência mesmo em casos de deslocação não consentida, que não se traduzam em rapto de criança – ponto que não está aqui em dúvida – daí que o seu afastamento só se compreende à luz daquela mencionada regra de ordem pública portuguesa.

  2. - Reconhecendo o Direito Português ser do máximo interesse que as crianças portuguesas, filhas de pais separados, que em Portugal acordaram na regulação do poder paternal, não sejam levadas para o estrangeiro por qualquer dos progenitores sem conhecimento e consentimento do outro, não abdica da sua competência para regular as responsabilidades parentais.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, divorciado, requereu em 4.6.2009, no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, a alteração do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor CC, contra: BB, residente na Suíça, visando a atribuição das responsabilidades parentais a ambos os progenitores, ficando o menor a residir com o pai, na cidade de Castelo Branco.

    Alegou, para tanto, em síntese: - que o menor CC, nascido em 13/02/2004, é filho do requerente e da requerida, tendo o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao mesmo sido regulado por acordo, em Novembro de 2006, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento entre requerente e requerida que correu termos, sob o n° 1597/06, junto da Conservatória do Registo Civil de Castelo Branco; - que, nos termos desse acordo, o menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, a qual passou a exercer o poder paternal, podendo o pai estar com o filho sempre que o entendesse, salvaguardados que fossem os períodos de descanso e actividades do menor; - que, desde a separação do casal, conviveu com o filho diariamente, passou com ele fins de semana de quinze em quinze dias, e teve-o na sua companhia, alternadamente, nas épocas festivas, existindo entre os dois uma relação de grande proximidade; que em Janeiro de 2009 a requerida viajou com o menor para a Suíça, país onde permanece, assim impedindo o convívio entre o requerente e o filho, com prejuízo para o equilibrado desenvolvimento deste.

    Teve lugar uma conferência de pais.

    A requerida apresentou alegação em que, aceitando que o menor reside consigo, na Suíça, suscita a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da acção e defende a manutenção da regulação do exercício das responsabilidades parentais oportunamente acordada.

    Foram juntos relatórios sociais relativos ao requerente e à requerida.

    *** Em 12.08.2009, foi proferida a decisão de fls. 52 a 60, na qual se declarou o Tribunal Judicial de Castelo Branco, internacionalmente incompetente para conhecer da acção e, em consonância, se decidiu absolver a requerida da instância.

    *** Inconformado, o requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 10.11.2009, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

    *** Inconformado, o requerente interpôs recurso de revista excepcional – art. 721º-A, nº3, do Código de Processo Civil, que foi admitido.

    Alegando formulou as seguintes conclusões: 1 — O recurso é de admitir, por o impor relevância jurídica das questões suscitadas. As quais se reportam a um regime que, sendo novo, foi instituído ferido de alguns vícios de resultantes de uma errada técnica legislativa. Assim a sua definição, nomeadamente no que respeita aos critérios da sua aplicabilidade impõe-se quer para uma melhor aplicação do direito quer, inclusive, para evitar uma conflitualidade que está latente e que tem na sua origem as referidas imprecisões.

    II – Acresce que as questões suscitadas têm enorme relevância social numa sociedade que, como a nossa, vive alterações profundas ao nível da célula familiar, representando as famílias monoparentais uma franja realidade cada vez mais expressiva.

    III — O presente Recurso é restrito à definição do regime legal aplicável a uma questão de importância particular importância para a vida do menor — a fixação da sua residência. A qual tendo sido fixada na cidade de Castelo Branco aquando da regulação do poder paternal — ano de 2006, houve necessidade de alterar em Janeiro de 2009 em virtude de a mãe pretender — como efectivamente veio a suceder — fixar a sua residência na Suiça.

    IV — O douto acórdão recorrido julgou a apelação improcedente e, consequentemente, manteve a decisão recorrida, reconhecendo a incompetência dos Tribunais Portugueses para apreciação da questão da alteração da regulação das responsabilidades parentais.

    V – Fê-lo por considerar que aquando do divórcio e por acordo devidamente homologado o menor ficou entregue à guarda da mãe que sobre ele passou a exercer o poder paternal. Pelo que a deslocação do filho na companhia da mãe para a Suíça não foi considerada ilícita, ainda que contra a vontade e sem o consentimento do pai, tudo não obstante, de facto e até então, todas as questões importantes referentes ao filho de ambos tivessem sido tomadas em conjunto.

    VII – Considerou ainda o douto acórdão que encontrando-se o menor na Suíça há cerca de seis meses é aí que se situa a sua residência habitual. E assim fixado o elemento de — o domicílio habitual da criança (art. 65º do Código de Processo Civil e 155º, nº3, da Organização Tutelar de Menores) — o douto acórdão conclui, nos termos do art. 1° e 13° da Convenção de Haia de 1961, relativa à competência das autoridades e à lei aplicável em matéria de protecção de menores, que a competência internacional para dirimir o conflito pertence às autoridades Suíças.

    VIII — A verdade é que, no entretanto, 1 de Dezembro de 2008 entrou em vigor no nosso ordenamento jurídico a Lei 61/2008 que operou profundas alterações no Regime da regulação das responsabilidades parentais, mormente, procedeu à alteração do art. 1906º do Código Civil, tendo estabelecido que, em caso de divórcio, as questões de particular importância para a vida dos filhos são exercidas em comum por ambos os progenitores se aplica (n. °1) assim como veio fixar (n. °5) que é ao Tribunal que compete fixar a residência dos filhos.

    IX — Ao proferir a decisão nos termos em que o fez o Tribunal “a quo” considerou que o preceito referido não tinha aplicabilidade ao caso concreto. Julgou que a matéria em causa se mantinha ao abrigo da legislação revogada.

    E que a presente apenas se aplicaria aos novos casos de regulação das responsabilidades parentais.

    X — Tal não é contudo o entendimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT