Acórdão nº 241/05.4TTSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução15 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1. A garantia de duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, que os artigos 690.º-A, n.º 5, e 712.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, ambos do Código de Processo Civil consagram, assume a amplitude de um novo julgamento em matéria de facto, no preciso sentido de que a Relação, na reapreciação das provas gravadas, dispõe dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal de primeira instância, com vista à detecção e correcção de pontuais e concretos erros de julgamento, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar e fundamentar na sua minuta de recurso.

  1. O estipulado nos artigos 655.º, 690.º-A e 712.º do Código de Processo Civil não comporta o entendimento de que o recurso quanto à matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância é restrito aos casos de manifestos ou notórios erros de julgamento.

  2. Também não decorre dos mesmos preceitos respaldo legal para, no tocante ao 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, o tribunal de recurso apenas reapreciar o depoimento gravado de uma das testemunhas invocadas, descartando a reapreciação dos restantes depoimentos gravados invocados.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 17 de Março de 2005, no Tribunal do Trabalho de Sintra, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra a sociedade ... – INDÚSTRIA PRODUTOS QUÍMICOS, L.da, pedindo que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré: (i) a indemnizá-lo pelos danos patrimoniais, designadamente a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento (15 de Fevereiro de 2005) até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, calculadas em € 2.196,15, a que acrescerá a média das comissões; (ii) a pagar-lhe as comissões em dívida, em montante a determinar, relativas às vendas efectuadas nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, e a média de comissões respeitantes ao subsídio de Natal do ano de 2004; (iii) a pagar-lhe os juros de mora relativos ao atraso no pagamento das verbas emergentes da cessação do contrato de trabalho; (iv) consoante optar, a reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade, ou a pagar-lhe uma indemnização em substituição da reintegração, nos termos legais.

    A acção, contestada pela ré, foi julgada parcialmente procedente, tendo sido declarada a ilicitude do despedimento e a ré condenada «a reintegrar o Autor ao seu serviço, atribuindo-lhe funções inerentes à sua categoria profissional, sem prejuízo da sua antiguidade», e a pagar-lhe (i) a quantia que se liquidar em execução de sentença, correspondente aos salários e respectivos subsídios de férias e de Natal, vencidos desde 17 de Fevereiro de 2005, com referência ao salário de € 2.096,15, acrescido da média das comissões no ano de 2004, deduzidas as importâncias eventualmente auferidas pelo autor a título de rendimentos de trabalho, e subsídio de desemprego, auferidas após a data do despedimento, e (ii) a quantia que se liquidar em execução de sentença correspondente a 2% das vendas efectuadas pelo autor nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, acrescida do montante correspondente à média anual das comissões do autor, a título de subsídio de Natal, no ano de 2004.

  3. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, no qual impugnou a decisão relativa à matéria de facto e, quanto ao mérito, sustentou a existência de justa causa para o despedimento, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa (i) alterado as respostas dadas aos artigos 7.º e 19.º da base instrutória, correspondentes aos factos provados 13) e 22), (ii) considerado não provada a matéria constante do artigo 26.º da base instrutória, eliminando, em consequência, o facto provado 25), e (iii) aditado o facto provado 26), julgando, no mais, o recurso improcedente.

    É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1º O tribunal recorrido incorre em vários erros de direito, por violar diversas normas jurídicas de natureza processual e material, bem como aplicou normas com base em interpretações inconstitucionais.

    1. O tribunal recorrido considerou que a especificação de factos na sentença corresponde aos fundamentos de facto nessa mesma decisão, não havendo por isso, falta absoluta de fundamentos na mesma.

    2. Ora, tal entendimento é manifestamente ilegal e inconstitucional, por violar o disposto no artigo 659.º e a alínea b) n.º 1 do artigo 668.º, ambos do Código do Processo Civil, bem como o artigo 2.º e n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.

    3. Com efeito, tem sido pacífico da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que as decisões judiciais devem ser fundamentadas para poderem cumprir as funções endo--processual e extra-processual que estão subjacente[s] à fundamentação.

    4. Essa fundamentação deve ser de forma que intra-processualmente permita às partes e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso. Extra-processualmente deve assegurar pelo conteúdo um respeito efectivo pela legalidade material na sentença e a própria garantia e independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que, os destinatários da decisão não são apenas as partes, mas a própria sociedade.

    5. A exigência de fundamentação na sentença da matéria de facto constitui uma das garantias fundamentais do cidadão contra o arbítrio do poder judiciário.

    6. Porquanto, sem fundamentação de facto nas decisões judiciais, não seria possível o controle democrático sobre o poder judicial ou pelo menos, a sua possibilidade ficaria fortemente reduzida, o que violaria o princípio constitucional do Estado de direito democrático.

    7. A motivação fáctica nas decisões judiciais é uma garantia da possibilidade de controle democrático do poder judicial em face dos cidadãos e do próprio Estado, decorrente do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo [2.º] da Constituição.

    8. Essa obrigação constitucional imposta de fundamentação da matéria de facto na sentença permite que o recurso possa ter também como fundamentação qualquer das nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

    9. Pois, a não ser assim, jamais seria possível a apreciação da oposição dos fundamentos com a decisão, se na sentença não constarem esses fundamentos, ou seja, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constitui o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, nem seria possível verificar se a apreciação da prova foi correcta, se não se indicassem os elementos que constituíram o substrato da decisão.

    10. A fundamentação da sentença tem que ser de modo a possibilitar a comprovação de que se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova, abrindo as portas a todo o possível arbítrio.

    11. Assim, ao contrário da tese insustentável defendida pelo tribunal recorrido, a sentença carece em absoluto da fundamentação de facto, porque especificar ou enumerar factos não é a mesma coisa que os fundamentos de facto.

    12. Porque, além das palavras especificar e fundamentos terem um total diferente significado, a redacção do n.º 2 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, que determina o conteúdo da sentença, dispõe que: “Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”, dele resultando claramente que nela deve constar os fundamentos de facto e depois a discriminação dos factos que considera provados, ou seja, a especificação dos factos, seguindo-se o direito.

    13. Desse modo, a aplicação e a interpretação que o tribunal recorrido efectuou às normas dos artigos 659.º, n.º 2 e n.º 3, e alínea b) do n.º 1 do 668.º do Código do Processo Civil, no sentido de entender que especificação ou enumeração dos factos na sentença corresponde aos fundamentos de facto nessa mesma decisão, é inconstitucional por o referido entendimento, violar as normas do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, cuja inconstitucionalidade aqui se invoca.

    14. Acresce que, semelhante interpretação também é inconstitucional por ser violadora do princípio da vinculação à lei, consagrado no artigo 203.º da Constituição, porque a mesma não é minimamente compaginável com o estabelecido no artigo 659.º do Código do Processo Civil, que determina o conteúdo da sentença, nem com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º, do mesmo diploma legal.

    15. O tribunal recorrido considera que a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento. E que a Relação só deve alterar a matéria de facto fixada pela 1.ª instância em casos contados, pontuais e concretos, de manifesto erro do julgador.

    16. Desse modo, o tribunal recorrido parte de um juízo predeterminado de que os erros de julgamento sobre a matéria de facto são excepcionais e a existirem erros do julgador da 1.ª instância, a Relação só os deve alterar e corrigir, se os mesmos forem manifestos ou notórios.

    17. Ora, tal entendimento constitui uma negação ou uma limitação inadmissível ao direito de recurso sobre a matéria de facto, porque ao partir de um juízo predeterminado que é sempre inaceitável em qualquer julgador e ao considerar que a Relação só deve alterar a matéria de facto no caso de haver erro manifesto do julgador da 1.ª instância, tal pode não corresponder à...

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