Acórdão nº 67/1999.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Área Temática: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - DIREITO SUCESSÓRIO Doutrina: - Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, 1,219. - Irene de Seiça Girão, in estudo “Mandato de Interesse Comum”, publicado na obra “Comemorações dos 35 Anos do Código Civil”, vol. III, 2007, págs. 369 a 416. - Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág.541. - Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito” – 2005 – 3ª edição, págs. 716 e segs. - Pedro Pais de Vasconcelos, “Procuração Irrevogável”, págs. 111, 117. - Pessoa Jorge, in “Mandato Sem Representação”, 20. - Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ªedição, pág. 240. - Vaz Serra, in RLJ, Ano 109, pág. 124.

Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL – ARTS. 258º, 265º, 940º,1157º,1174º,1175º, 1180º, 2179º, 2312º.

Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 24.01.1990, BMJ 393-588; - DE 13.02.1996, BMJ 454-641; - DE 03.06.1997, BMJ 468-369; - DE 22.02.2002, BMJ, 494, 320.

Sumário : I) - O art. 1174º do Código Civil estabelece vários fundamentos de caducidade do contrato de mandato, um deles é a morte do mandante. Todavia, essa caducidade não ocorre se o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, o que se compreende, por nesse caso, o mandato não servir apenas a realização dos interesses do mandante mas de outrem, que tanto pode ser o mandatário como um terceiro ou ambos.

II) – A lei não define o que seja o “interesse do procurador ou de terceiro” que se deva considerar relevante para afastar o princípio geral da caducidade do mandato por morte do mandante.

III) – Quer o mandato, quer a procuração não são revogáveis apenas por do contrato ou do acto jurídico unilateral (caso da procuração), constar expressamente uma cláusula de irrevogabilidade; relevante é que da relação basilar, que está na origem da decisão do “dominus”, resulte a existência de um interesse conferido no interesse do mandatário, ou representante, ou de terceiro, que incorpore um direito subjectivo que transcenda o mero interesse do mandante ou do representado.

IV) – Não é pela via da pretensa caducidade do contrato de mandato – pela morte do mandante – e dos poderes por si conferidos em procuração irrevogável, que a representante/mandatária estava impedida de celebrar o contrato de doação previsto naquele; quanto à procuração tendo ela sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, a convencionada irrevogabilidade só pode ser derrogada se houver acordo do procurador ou de terceiro, a menos que exista justa causa – nº3 do art. 265º do Código Civil.

V) - O donatário, no caso herdeiro legitimário do mandante, é terceiro com interesse, tendo em conta a relação basilar, do mandante de dispor dos seus bens em favor de um herdeiro, pelo que, pese embora a mandatária ter optado por celebrar por escritura pública a doação que lhe era concedida, quer pelo contrato, quer pela procuração, depois da morte do mandante, há que considerar formalmente válido o contrato de doação já que ao intervir na escritura como donatário.

VI) – Ficcionando-se pelo teor do mandato e da procuração, que os negócios abrangidos nesse contrato, por mor da não caducidade resultante da morte do mandante, são como que celebrados em vida do mandante. VII) – No testamento – art. 2179º, nº1, do Código Civil – que é um acto de vontade unilateral do testador e não um contrato, como é a doação – art. 940º, nº1, do citado diploma – o autor do testamento pode livremente revogá-lo e pode fazê-lo não só através de um novo testamento, em que expressamente exprime vontade de disposição do seu património incompatível com a precedente – art. 2312º – ou fazê-lo tacitamente, nos termos do art.2313º do diploma legal citado.

VIII) – Existe ainda disposição revogatória tácita do testamento, se através de válida disposição de vontade, pela via de contrato de mandato antes referido e através da procuração irrevogável a ele associada, o autor do testamento, estando em causa como está a sucessão testamentária onde foi feita uma liberalidade (assim se devem entender os legados feitos à Autora), concede poderes que autorizam o mandatário e procurador a dispor dos seus bens sem restrições em favor de um seu herdeiro legitimário.

IX) – A procuração em causa não é uma procuração post mortem destinada a produzir efeitos após o decesso do dominus; do que se trata, no caso, é da eficácia dos actos após a morte do dominus, já que por vontade dele a procuração irrevogável foi querida para valer e ter eficácia antes e após a sua morte – os efeitos começaram em vida do representado e sobrevivem à sua morte.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e marido, BB, intentaram, em 5.3.1999, na comarca de Loulé – 3º Juízo Cível – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: CC e seu filho, DD (menor à data da instauração dos autos e então representado por sua mãe).

Pedindo os primeiros que se declare a nulidade do contrato de mandato em que foi mandante EE, já falecido, respectivamente sogro e avô dos RR., e da correspondente procuração por aquele emitida a favor da 1ª Ré, bem como do contrato de doação de dois prédios (um rústico, sob o artigo matricial n° ... e com o n° registral 0..., e outro urbano, sob o artigo matricial n° ... e com o n° registral 0..., ambos da freguesia de Almancil) a favor do 2° Réu, celebrado com base nessa procuração, com os consequentes cancelamentos no registo predial.

Mais pedem que sejam declarados válidos os testamentos outorgados pelo referido EE, para quem a Autora trabalhou desde 1968 e até à morte deste (apenas com uma interrupção de cerca de 5 anos), em que eram deixados os aludidos prédios, a título de legados, aos Autores, Na petição inicial, alegaram os AA., no essencial, o seguinte: - que são beneficiários, como legatários, de testamento outorgado pelo de cujus em 17.10.1988, em que - a par de instituir como “herdeiro universal da sua herança seu único neto, DD” - declarou legar a favor dos AA., “um talhão de terreno com a área de mil metros quadrados (...) a desanexar de um prédio rústico que possui (...) e se destina a arredondamento de um prédio que os legatários possuem no mesmo sítio”, e de um outro testamento outorgado pelo mesmo de cujus em 9.1.1996, pelo qual “amplia o legado feito naquele [primeiro] testamento” aos AA., de modo a que “o legado compreenda a totalidade do prédio misto, abrangendo todo o urbano de rés-do-chão ou cave e primeiro andar ou rés-do-chão elevado, bem como todo o rústico”, ao mesmo tempo que declara “que deseja manter o seu anterior testamento (...) em tudo quanto não tenha sido alterado pelo presente, vigorando assim ambos em conjunto”; - que foi lavrada no 2° Cartório Notarial de Loulé, com data de 24/3/1998, uma procuração, em que outorga o referido EE, e em que este declara “que constitui sua bastante procuradora CC (...), a quem atribui poderes para vender ou doar, outorgando as respectivas escrituras notariais de compra e venda e/ou doação, a favor do seu neto e único herdeiro, DD”, vários prédios, entre os quais os dois supra identificados; - que nessa mesma procuração declara o outorgante que a “procuração é irrevogável nos termos dos artigos 265° e 1170° do Código Civil, a pedido das partes por ser do interesse do mandante e mandatário, e não caduca por morte daquele”; - que o referido EE faleceu em 19/6/1998; - que foi lavrada no 1° Cartório Notarial de Loulé, com data de 2/11/1998, uma escritura de doação, em que outorgou “CC (...), na qualidade de procuradora de EE, já falecido”, e pela qual “doa a DD, neto do seu representado” os dois prédios supra identificados.

Pretendem os AA. que essa procuração foi emitida quando o de cujus já havia sofrido grave acidente cerebral (em 31/1/1997), não estando à data em condições de entender e perceber o acto que estava a praticar, o que inquina de nulidade, quer o mandato e respectiva procuração, quer a doação, para além de a doação já envolver, por posterior à morte do de cujus, a disposição de bens alheios.

Na contestação, os RR. opõem-se aos pedidos, sustentando que as deixas testamentárias a favor dos AA. se deveram a pressão psicológica por eles exercida sobre o de cujus, que este procurou contrariar através da emissão da procuração sub judicio, a fim de permitir que os bens ali referidos ficassem para o seu neto após a sua morte, e que foi lavrada quando o de cujus ainda se encontrava na plena posse das suas faculdades mentais, apenas não assinando (mas apondo a sua impressão digital) por ter dificuldade em fazê-lo, devido a trombose sofrida em Janeiro de 1997, pelo que são válidas a aludida procuração e a doação outorgada com base nessa procuração, e que, na prática, revogaram a deixa testamentária a favor dos AA.

Alegando que a impossibilidade de tomarem posse dos bens (móveis e imóveis) da herança aberta por óbito de EE causa prejuízos aos RR., pedem estes, em reconvenção, a condenação dos AA. a pagar-lhes indemnização, a liquidar em execução de sentença.

Aos AA. veio a ser concedido parcialmente apoio judiciário, na proporção de metade (1/2), por decisão de fls. 117/118.

*** Foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo RR. e AA. dos respectivos pedidos.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: quanto aos pedidos dos AA., estes não lograram provar que tivesse ocorrido vício ou erro da vontade do declarante na emissão da procuração sub judicio, pelo que essa procuração se...

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