Acórdão nº 027/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução02 de Junho de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. “A…, S.A.” recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação por aquela deduzida contra as liquidações de IMI dos anos de 2007.

1.2. A recorrente formula alegações que remata com as Conclusões seguintes: IV - Conclusões Em primeiro lugar, 450. A R. celebrou tão só uma “Escritura de subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico que o Município de Viana do Castelo faz à firma A…, Lda.”.

451. Tal “subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico” efectuou-se “com subordinação ao regime legal instituído pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro”.

452. E ainda “às disposições constantes do Regulamento das Condições de Concessão do Uso Privativo, aprovado pela Assembleia Municipal...”, conforme consta da referida escritura pública.

453. Ora, é sobre a parcela de TERRENO (lote) do domínio público hídrico, que o Fisco sempre considerou, no limite, a R. com a qualidade de “Tipo de proprietário – 04 – Superficiário”.

454. Tal enquadramento (como superficiário) resultou apenas do facto de a R. assim o ter declarado, ainda que de forma indevida, mas também porque as hipóteses que decorrem dos próprios modelos de inscrição (Modelo 1) não consentem a inscrição de qualquer prédio para uma ocupação a título de subconcessionário de um lote de terreno do domínio público (!?).

Em segundo lugar, 455. Para além disso, a R. foi autorizada, pela referida escritura pública e Regulamento de Concessão de Uso Privativo, a proceder à implantação de INSTALAÇÕES para desenvolver nelas uma actividade económica com cariz de utilidade pública (estabelecimento aberto ao público), ainda que também limitada no tempo, isto é, 30 anos, tantos quantos o prazo da subconcessão daquela parcela de terreno – lote.

456. Porém, é sobre estas mesmas INSTALAÇÕES que o Fisco também pretende cobrar IMI, agora relativo ao ano de 2007, conforme decorre da liquidação impugnada, porque considera que a R. será agora também “Tipo de proprietário - 04 - Superficiário” (!).

457. Todavia, ao proceder à inscrição matricial das referidas instalações (ainda que de forma indevida, como já se referiu, dada a natureza do contrato celebrado não o devia ter feito, tão pouco os serviços fiscais o deviam ter aceite) fê-lo também na qualidade de SUPERFICIÁRIO, conforme está expresso na respectiva declaração Modelo 1: “Tipo de proprietário: 04 – Superficiário” e consta certamente do processo administrativo.

Todavia, 458. Tendo em vista a defesa dos seus legítimos direitos e, em particular, o que dispõem os arts. 9°/1/2 e 95° da Lei Geral Tributária e o art. 96°/1 do Código do Procedimento e Processo Tributário – reflexos de um princípio de tutela jurisdicional efectiva e da consequente garantia de acesso ao direito e aos tribunais, aliás, constitucionalmente consagrados, v.g. art. 20°/1 da CRP –, deduziu a R. oportunamente a correspondente Impugnação Judicial.

459. Tal Impugnação Judicial mereceu douta sentença, supra referida (Ponto 1), e da qual aqui se recorre, nos termos do despacho oportunamente exarado pelo Digníssimo Juiz do tribunal a quo.

POSTO ISTO, 460.

A R. não é SUPERFICIÁRIO porque não tem um qualquer “direito de superfície” sobre a parcela de TERRENO do domínio público hídrico, sendo que apenas tem, de facto e até por imposição da lei que regulamenta aquele domínio público, o “uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico”, conforme resulta do referido contrato e seus anexos, 461. Ainda que haja sido inscrita matricialmente como tal, em termos que a identificaram como “Tipo de proprietário – 04 – Superficiário”.

462.

A R. também não é (não pode muito menos ser vista como) PROPRIETÁRIO das INSTALAÇÕES implantadas naquela parcela de terreno do domínio público hídrico a que corresponde o artigo matricial 2553, 463. Ainda que também haja sido inscrita matricialmente como tal, em termos que a identificaram também como “Tipo de proprietário - 04 - Superficiário”, conforme resulta da mesma inscrição matricial e certamente do processo administrativo.

464. Aliás, diga-se em abono da verdade, a R. nunca poderia ter qualquer outra forma de uso ou utilização daquele domínio público hídrico que não fosse, como foi, por contrato de subconcessão (porque o próprio Município de Viana do Castelo é, ele próprio e por sua vez, concessionário da mesma parcela por contrato de concessão com o Instituto Portuário do Norte), dado que, em geral, assim o impõe a legislação quanto à afectação de bens que pertençam àquele domínio público.

465. Isto é, não pode o domínio público em geral, e em particular o domínio público hídrico aqui em causa, ser objecto de uma qualquer forma de apropriação privada que não seja apenas por um tipo contratual específico e único: um contrato de concessão ou um contrato de subconcessão, como é o caso concreto.

466. Por isso, labora a douta sentença em nulidade por oposição entre os factos a decisão, bem como em erro de julgamento, por vício de violação de lei, v.g. artigos 660°/2, 668°/1/c do CPC, ex vi art° 2°/e) e 125°/1 do CPPT e ainda dos art°s 17° e 18°/1/2 do DL 468/71, de 5 de Novembro.

Sem prescindir, 467. A douta sentença procede, nos termos em que o faz, a uma integração analógica das normas de incidência, ou seja, do conteúdo do art. 8°/2 do CIMI, pois, só nesses termos é que é possível admitir que a atribuição de um uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico (parcela de TERRENO), possa “transformar” ou fazer “equivaler” aquela qualidade (“uso privativo”) a um qualquer SUPERFICIÁRIO, sendo que apenas estes se mostram abrangidos pela norma subjectiva de incidência em causa.

468. Por isso, labora a douta sentença em manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, v.g. art. 9º e art. 1524°, ss. do Código Civil, art. 8°/2 do CIMI, art. 8° da LGT, art. 103°/2/3 e art. 165°/1/i, art. 204° e art. 266° da CRP, e ainda art. 11°/1/2/4 da LGT.

Sem prescindir, 469. A douta sentença procede, nos termos em que o faz, a uma nova integração analógica das normas de incidência, ou seja, agora do conteúdo do art. 8°/1 do CIMI, pois, só nesses termos é que é possível admitir que a atribuição de um uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico (parcela de TERRENO), ainda que autorizado a implantar INSTALAÇÕES, por período determinado de tempo (30 anos), e para o exercício de uma actividade com cariz de utilidade pública (estabelecimento aberto ao público), possa “transformar” ou fazer “equivaler” aquela qualidade (direito de “uso privativo”) a um qualquer PROPRIETÁRIO, sendo que apenas este se mostra abrangido pela norma subjectiva de incidência em causa.

470. Porém, como já se referiu, tão pouco o Fisco consignou à R. um enquadramento desse tipo (?), antes considerou que a sua natureza matricial sempre seria do “Tipo de proprietário – 04 – Superficiário”, tal como constará do processo administrativo, pelo que daqui haverá que retirar, naturalmente, as devidas ilações.

471. Por isso, labora a douta sentença em manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, v.g. art. 9°/2 e art. 1302°, ss., art. 1304° e art. 1305° do Código Civil, art. 8°/1 do CIMI, art. 8° da LGT, art. 103°/2/3 e art. 165°/1/i, art. 204° e art. 266° da CRP, e ainda art. 11°/1/2/4 da LGT.

Sem prescindir, 472. A douta sentença interpreta erradamente o conteúdo dos artigos 11°/3 da LGT e 8°/1/2 do CIMI, porquanto: 473. A “substância económica dos factos tributários” não pode ser primeiro argumento para a interpretação, bem pelo contrário, a “dúvida” terá que ser deslindada, em primeira linha, pelas regras gerais de interpretação, e só depois, se ainda assim “persistir dúvida” sobre o sentido das normas, é que se justificaria o recurso à disposição contida no art. 11°/3 da LGT.

474. Porém, no caso concreto, não se vislumbram: 475. Por um lado, nem “dúvida” sobre o sentido das normas de incidência, dado que a norma em causa (art. 8°/1/2 do CIMI) não a oferece, isto é, é bem clara sobre o que pretende tributar: o PROPRIETÁRIO e, eventualmente, o SUPERFICIÁRIO, qualquer uma das qualidades que a R. não tem, tão pouco pode ter, dado que se está a falar sobre uma eventual afectação privada do domínio público.

476. Por outro lado, se aquela “dúvida” não existe, como parece claro, como pode ela “persistindo” para que então se pudesse recorrer ao art. 11°/3 da LGT? 477. A doutrina citada demonstra à exaustão o sentido com que a norma deve ser aplicada.

478. E muito menos tem razão para o ser no caso concreto, quando é certo que, por um lado, as partes celebraram o contrato pretendido, e, por outro lado, não podiam sequer celebrar qualquer outro de natureza diferente do contrato de...

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