Acórdão nº 5425/03.7TBSXL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução27 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I- Mesmo considerando, na esteira da largamente maioritária jurisprudência portuguesa, que o arrendamento se reveste de natureza obrigacional, a verdade é que, como nota Romano Martinez. «importa reconhecer que a finalidade conseguida por este contrato pode ser atingida mediante o recurso a direitos reais menores», em primeiro lugar e, em segundo lugar, que «retira-se ( do artº 1022º do C. Civil) que a locação é uma forma de proporcionar o gozo temporário de uma coisa» ( Romano Martinez, Contratos em Especial, Universidade Católica Editora, 1996, pg. 158), características essas que, para além da notória semelhança funcional e sócio-económica, têm por denominador comum, a repercussão no valor económico dos bens onerados com um arrendamento ou com outros ónus reais que sobre eles incidam, sendo certo que como ainda refere ainda Romano Martinez, «a transitoriedade, sendo uma característica do contrato de locação, muitas das vezes, pode perdurar por vários anos» (ibidem).

II- Daí que a semelhança das situações, jurídica e sócio-económica, justifique e exija o recurso à aplicação analógica do preceituado no falado nº 2 do artº 824º do CCivil, quanto à caducidade dos contratos de arrendamento nos sobreditos termos.

III- O artº 824º, nº 2 do C.Civil é peremptório no sentido de que os bens são transmitidos livres dos direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente do registo.

IV- No caso em apreço, por um lado, o arrendamento é posterior ao registo da hipoteca sobre o imóvel e, por outro, a hipoteca é indiscutivelmente um direito real da garantia (Mota Pinto, Direitos Reais, 135), não sendo necessária, sequer, a sua equiparação à «penhora antecipada», para os efeitos da aplicação do referido preceito legal.

V- Quanto ao argumento de que não se pode falar de analogia já que a enumeração dos casos de caducidade do contrato de arrendamento prevista no artº 1051º do C.Civil não prevê a venda executiva e tal enumeração é taxativa, argumento esse esgrimido pela Relação no douto Acórdão ora sob recurso, não torna convincente, salvo o devido respeito, a bondade de tal solução VI- Não se trata aqui do uso da analogia para colmatar lacuna legal (interpretação analógica) mas da semelhança notória do arrendamento com um direito real de gozo tal como o uso e habitação, além da sua tendencial longa duração, como já atrás deixámos expresso e, por isso, a merecer igual tratamento no que concerne à tutela dos direitos do credor com garantia real ( hipoteca) com registo anterior à celebração do arrendamento.

Por isso, quando se fala em analogia, não se quer visar necessariamente a integração das lacunas legais (integração de omissão por interpretação analógica) no regime de arrendamento, mas também a extensão da norma a situações análogas, tendo sempre a teleologia da norma, a ratio legis, que no caso do artº 824º, nº 2 é, sem dúvida, a tutela dos direitos dos credores titulares das garantias reais, registadas com anterioridade relativamente ao estabelecimento da invocada relação locatícia.

Decisão Texto Integral: Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA deduziu Embargos de Terceiro, por apenso à acção executiva em que é Executada BB, LIMITED e Exequente CC, S.A.

Invoca, em síntese, que é a legitima detentora do imóvel em causa nos autos, onde habita, pois celebrou um contrato-promessa de compra e venda do mesmo, com a sua proprietária, ora executada.

Devido a atrasos na celebração do contrato definitivo, por parte da Executada, foi celebrado, em 02 de Janeiro de 2001, contrato de arrendamento.

Entende que tem a qualidade de promitente compradora e de arrendatária, alegando que a sua posse obsta à entrega do imóvel.

A Embargada apresentou contestação e, em síntese, excepciona a ilegitimidade da Embargante, considera que esta não é possuidora nem detentora legítima, desconhece a realização de qualquer contrato promessa de compra e venda ou de arrendamento.

Acrescenta que este, a existir, é posterior à data de constituição e registo da hipoteca a favor da CC, S.A, a qual nunca autorizou ou teve dele conhecimento. Assim, tal contrato caducaria com a venda executiva. Pede a improcedência dos embargos.

No saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade e foi determinado que os autos passassem a ser tramitados como Embargos de Executado, instaurados na sequência de execução para entrega de coisa certa, requerida pela Exequente CC SA, contra a detentora AA, aqui Embargante.

Após a tramitação legal, foi efectuado o julgamento e proferida sentença, na qual se decidiu, em síntese, julgar os embargos procedentes e, em consequência, determinar-se a extinção da acção executiva intentada ao abrigo do disposto no artigo 901º, do Código de Processo Civil, contra a aqui Embargante.

Inconformada, interpôs a Embargada CC, SA, recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, julgando improcedente a Apelação, confirmou, por maioria, a decisão recorrida, com um voto de vencido, acompanhado de declaração no sentido de que daria provimento ao recurso no entendimento defendido no Acórdão daquela Relação de 22.02.2007, de que o subscritor da referida declaração foi Relator.

Novamente inconformada, a mesma veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1ª- O voto de vencido que consta do Acórdão, ora recorrido, remete para o entendimento defendido pelo Acórdão de 22/02/2007, processo 309/2007-6, do Tribunal da Relação de Lisboa, 6ª Secção, entendimento esse que corresponde ao entendimento do ora Recorrente, cujo sumário se transcreve: "Na expressão «direitos reais» (gozo) sujeitos a caducarem mercê da venda executiva...encontram-se...abrangidos os contratos de arrendamento, quer naturalmente os sujeitos a registo quer mesmo os não registados, pois que relativamente a estes últimos não se descortinam razões para diversa forma de tratamento, no que respeita à sua oponibilidade a terceiros e à caducidade." 2ª- No presente caso verifica-se que a favor do ora Recorrente (que cumula os papeis de credor hipotecário, exequente e proprietário do aludido imóvel) se encontrava registada hipoteca em data anterior (17/08/1999) à alegada celebração do contrato de arrendamento (02/01/2001).

  1. - O Artigo 695º do CCIV ao permitir a livre convenção acerca do vencimento imediato do crédito hipotecário na eventualidade de alienação ou oneração de bens hipotecados inculca que se partiu do princípio de caducidade dos ónus em...

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