Acórdão nº 11683/06 – 8TBOER.A.L.1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução20 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. No âmbito das relações mediatas (em que o título já entrou em circulação) irrelevam as relações extra cartulares, não sendo a violação do pacto de preenchimento oponível ao portador salvo se provado que adquiriu a livrança de má fé ou ter cometido falta grave.

  1. Se a livrança se encontra no âmbito das relações imediatas o executado pode opor ao exequente o incumprimento (violação) do pacto de preenchimento, sendo a obrigação cartular sujeita ao regime comum dos negócios jurídicos.

  2. Por se tratar de excepção de direito material, o preenchimento abusivo deve ser alegado e provado pelo oponente (embargante) a quem cumpre demonstrar que o montante foi inscrito ao arrepio do acordado.

  3. Para o exequente basta a não demonstração pelo demandado de que o pacto de preenchimento foi incumprido, que o título ainda não se encontra em circulação, valendo-lhe, no mais, os critérios de incorporação, literalidade, autonomia e abstracção.

  4. A Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças é um instrumento de Direito Internacional, ratificado por Portugal e integrando, por recepção, o nosso direito interno (artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República).

  5. Quando o Estado Português se vincula internacionalmente e incorpora essas normas na sua ordem jurídica, não pode criar normas contrárias quer por revogação unilateral, quer por restrição ou ampliação injustificadas, se, e enquanto, não se desvincular externamente.

  6. O artigo 70.º, n.º 1, alínea c) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional não deve ser interpretado restritivamente, no sentido de se limitar à questão de natureza jurídico-constitucional (se a norma convencional ainda é vigente), tendo aquele Tribunal (“ex vi” do artigo 70.º daquela Lei no seu todo) poderes para apreciar da conformidade da norma de direito interno, seu segmento ou sua interpretação com convenção internacional – a que Portugal se vinculou – lei com valor reforçado cujo incumprimento pode configurar inconstitucionalidade.

  7. O artigo 10.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças só pretende impedir que um terceiro de boa fé e sem culpa grave que recebe o título (por endosso) já preenchido se veja confrontado com a excepção de preenchimento abusivo e não regular o instituto quando o título ainda está nas relações imediatas e portanto sujeito às regras gerais do negócio jurídico.

  8. O artigo 292.º do Código Civil pressupõe um negócio jurídico parcialmente nulo, ou anulável, quando se apura que a vontade real, hipotética (ou conjectural) das partes, agindo de boa fé, optariam pela conservação do negócio sem a parte viciada.

  9. A livrança incompletamente preenchida não é nula sendo anulável se, em violação do pacto de preenchimento, lhe foi inscrito um montante diverso do acordado mantendo-se válida relativamente aos limites de preenchimento.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça O “Banco ..., SA, Sociedade Aberta”, intentou execução para pagamento de quantia certa, contra AA.

    É titulo executivo uma livrança.

    O executado deduziu oposição pedindo que a execução fosse extinta pois a livrança fora objecto de um acordo de preenchimento com o limite de 55.000.000$00 – agora 274.338,84 euros – tendo o exequente violado aquele acordo já que a preencheu por 278.681,35 euros, o que lhe retirou a validade, e eficácia, como título cambiário.

    Na 1.ª Instância, e logo no despacho saneador, a oposição foi julgada parcialmente procedente, determinando-se a extinção da execução quanto ao montante de 4.342,51 euros e correspondentes juros liquidados no requerimento executivo.

    O executado apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado.

    Pede, agora, revista, culminando a sua alegação com o seguinte acervo conclusivo: - Apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa considerar ter havido preenchimento abusivo da Livrança exequenda, decidiu confirmar a decisão recorrida e considerar extinta a execução apenas quanto ao montante de € 4. 342,51 (montante excedente ao máximo autorizado ou convencionado de €274.338,84), bem como quanto aos juros correspondentes liquidados no requerimento executivo; - O preenchimento abusivo da Livrança concretizou-se no preenchimento do título exequendo por montante superior ao convencionado no concreto pacto de preenchimento; - A decisão revidenda está inquinada de grave de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação das normas jurídicas e de errada determinação na norma aplicável, estando a respectiva fundamentação inquinada.

    - Não podia o Tribunal Recorrido defender em violação clara ao estipulado no art. 10° da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (por força do art. 77° do mesmo diploma) que o preenchimento da livrança por valor superior ao convencionado, quando verificado, e por estar no âmbito das relações imediatas, não determina a inutilização do título, mas antes a redução da obrigação cambiária em conformidade, nos termos do art. 292° do Código Civil.

    - Entendeu a decisão revidenda, erradamente, que «No domínio das relações imediatas tendo o beneficiário «respeitado qualitativamente o acordo de preenchimento, não é a circunstância de ter sido inscrito na livrança um montante superior ao devido à data do preenchimento que a inutiliza enquanto título executivo».

    - A excepção do preenchimento abusivo da Livrança fundada na relação jurídica extracartular, ao contrário do entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, invalida e torna ineficaz, o título cambiário exequendo.

    - É totalmente admissível e legal a invocação da excepção do preenchimento abusivo nas relações imediatas (vd. a melhor Doutrina e a Jurisprudência indicada nas alegações).

    - Tendo sido o próprio Recorrido, primeiro adquirente, quem preencheu a livrança exequenda e quem reclamou o pagamento ao subscritor Recorrente, pode ser por este último oposta a excepção de preenchimento abusivo porque a Livrança não entrou em circulação e está/estava no domínio das relações imediatas.

    - A má fé (constante do art. 10.º da L.U.L.L.), para efeito da conclusão anterior, consiste no conhecimento ou na ignorância indesculpável (negligente) do preenchimento abusivo do título de crédito pelo Recorrido.

    - Logo, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no art. 10° da L.U.L.L. (por força do art. 77° do mesmo diploma) e os Princípios que enformam os títulos cambiários (literalidade e abstracção).

    - A fundamentação do Tribunal a quo é ilegal quando refere que ‘a extinção da execução quanto ao montante excedente a € 274.338,84 inscrito na livrança, a extinção da execução quanto ao montante de € 4.342,51, bem como aos juros correspondentes, não infringe o disposto nos artigos 10.º e 77.º da L. UL.L., nem os princípios da literalidade e abstracção’.

    - O Tribunal Recorrido usou de vício da fundamentação de Direito (e da sua justificação), por errónea interpretação e aplicação do regime geral das obrigações ao regime cartular; - Nas relações imediatas a obrigação cartular não está sujeita ao regime comum das obrigações, o que a quo foi desconsiderado; - Nos termos do art. 292° do CC, a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada, o que a quo foi desconsiderado.

    - Sendo a livrança um título de crédito rigorosamente formal, enquanto título cambiário que é, a violação do convencionado para o preenchimento da Livrança acarreta a respectiva inutilidade e ineficácia e a própria consequente falta de título dado à execução.

    - O Tribunal recorrido não podia recorrer in casu à aplicação do regime comum das obrigações (do...

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