Acórdão nº 81/05.OTBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução29 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Aquele que compra ou recebe em doação um imóvel, enquanto a alienação estiver pendente do exercício do direito de preferência de outrem, não pode considerar-se seu verdadeiro proprietário, porquanto sendo terceiro, a non domino, adquiriu a posse do imóvel, a título precário, com a consequente susceptibilidade da anulação do contrato.

II - O direito legal de preferência do arrendatário habitacional não carece de ser registado para produzir os seus efeitos, em relação a terceiros que sobre o respectivo objecto venham a adquirir, posteriormente, um direito real de gozo conflituante.

III - O registo da acção de preferência torna o direito, reforçadamente, oponível a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa, no período da mora litis, com a consequente eficácia superior da sentença favorável do preferente preterido, em relação àquela que, normalmente, resulta do caso julgado, porquanto, além de vincular as partes, produz agora ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do preferente.

IV - A eficácia normal da sentença, ou seja, a sua eficácia inter partes, como acontece na hipótese de o registo da acção não ter sido realizado, não impede que o autor faça valer o seu direito real de preferência contra terceiros para quem a coisa tenha sido, entretanto, transmitida, desde que, neste caso, para atingir o efeito visado pela acção de preferência, convença esses terceiros com a propositura de uma outra acção contra o primitivo adquirente da coisa sujeita a preferência, mas, igualmente, contra o terceiro subadquirente que sobre a mesma venha a adquirir, posteriormente, um direito conflituante.

V - Na pendência da acção de preferência, baseada em direito legal de preferência, as rendas produzidas pelo imóvel objecto da preferência, pertencerão ao preferente, na hipótese de lhe vir a ser reconhecida a existência desse direito, e ao adquirente, no caso contrário.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA : AA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e mulher, CC, todos residentes na Rua da Fonte Velha, Custóias, Matosinhos, e DD e mulher, EE, residentes na Rua D. António Castro Meireles, nº ..., r/c dtº, Baguim do Monte, Rio Tinto, Gondomar, pedindo que, na sua procedência, se declare a nulidade da doação do prédio infradiscriminado, efectuada através da escritura de 14 de Agosto de 2002, se decrete a condenação de todos os réus a reconhecerem essa nulidade, se ordene o cancelamento de qualquer registo, eventualmente, feito com base nessa doação sobre o citado prédio e, por fim, se condenem os primeiros réus, BB e mulher, CC, a restituírem ao autor a importância de €1848,90, correspondente ao valor das rendas recebidas, acrescida de juros moratórios legais, contados desde a citação até efectivo pagamento, alegando, para tanto, em síntese essencial relevante, que, sendo, ao tempo, arrendatário habitacional do aludido prédio urbano, veio a adquiri-lo, em consequência da procedência de uma acção de preferência, onde lhe foi reconhecido, por sentença proferida a 4 de Julho de 2002, transitada em julgado, em 18 de Setembro de 2002, o direito de preferir e de se substituir ao réu BB, na compra que este, com outros, fizera de tal prédio, por escritura pública datada de 13 de Janeiro de 1982, a FF e mulher, GG.

Apesar disso, continua o autor, os réus BB e mulher, CC, por escritura datada de 14 de Agosto de 2002, declararam doar ao réu DD, seu filho, com aceitação deste, esse referido prédio, sendo certo que aqueles primeiros réus foram citados para a acção de preferência, em 14 de Julho e 18 de Janeiro de 1989, respectivamente, a quem o autor sempre pagou as rendas vencidas entre esta última data e a data do trânsito em julgado da respectiva sentença.

Na sua contestação, os réus BB e mulher, CC, alegam, no essencial, que sempre estiveram convencidos de que eram os proprietários do prédio que doaram, tendo pago as respectivas contribuições, e que o pagamento das rendas pelo autor correspondeu ao cumprimento do seu dever como arrendatário, concluindo pela improcedência da acção.

Por seu turno, na sua contestação, os réus DD e mulher, EE, alegam, em suma, que adquiriram o prédio de quem o tinha registado em seu nome, presumindo-se dono do mesmo, e que, por sua vez, também, este réu marido o veio a registar, em seu nome, concluindo pela improcedência da acção.

Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou a acção, procedente por provada e, em consequência, declarou ineficaz, em relação ao autor, a doação feita através da escritura de 14 de Agosto de 2002, condenou todos os réus a reconhecerem esta declaração, ordenou o cancelamento de qualquer registo, eventualmente, feito pelos segundos réus sobre o questionado prédio, e condenou os primeiros réus a restituírem ao autor o valor das rendas, desde a citação de cada um deles na acção de preferência, sendo a primeira ré mulher, desde 18 de Janeiro de 1989, e o réu marido, desde 14 de Julho de 1989, até ao trânsito da mesma, em 18 de Setembro de 2002, ou seja, na quantia total, desde 18 de Janeiro de 1989, de €1.818,17, no caso de ser a primeira ré mulher a restituir, e caso seja a pagar o primeiro réu marido, na quantia de €1.468,17, quantias essas acrescidas de juros moratórios legais, contados desde a citação até efectivo pagamento.

Deste saneador-sentença, os réus BB e mulher, CC, interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação do Porto, os mesmos réus interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – Em primeiro lugar, quanto ao facto de declarar ineficaz a doação feita através de escritura de 14 de Agosto de 2002, cumpre referir que tal negócio jurídico não padece de qualquer vício.

  1. - Tendo sido registado o correspondente direito de propriedade, a favor dos aqui 2.°s réus, beneficiando estes da presunção registral do art.° 7.° do Código de Registo Predial.

  2. - Salvo mais douto entendimento, não olvidando que a mesma presunção é elidível, não foi nestes autos produzida prova bastante que a elimine.

  3. - Os 2.°s réus beneficiam ainda da protecção de terceiros de boa fé, consagrada no art°. 291°, cujos pressupostos se verificam nestes autos e não foram abalados por qualquer prova, sendo de considerar que os 2.°s réus estão de boa fé, não existindo motivo para declaração de nulidade, anulabilidade ou ineficácia do negócio jurídico sub Júdice.

  4. - Por outro lado e no que tange concretamente quanto à alínea d) do ponto IV da Sentença - Decisão -, bem como páginas 7 a 9 do Acórdão ora sindicado, não concordamos, em singelo alvitre jurídico, que a citação na acção de preferência, adrede melhor identificada, opere uma transformação nos caracteres da posse dos aqui 1 °s réus, transformando-a em posse de má-fé.

  5. - Atento os normativos consagrados nos art.°s 1260º, n.°s 1 e 2, bem como o 1270°, n° 1, ambos do Cód. Civil, os ora recorrentes nunca tomaram consciência de que lesavam direito de outrem, com a mera citação.

  6. - Sempre foi sua a convicção profunda que eram os proprietários.

  7. - Desconheciam se foi ou não respeitado, nos termos legais, o direito de preferência do, à época, arrendatário do prédio sub Júdice.

  8. - Não lhes é exigível cuidar de saber se foi ou não respeitada tal obrigação legal do primeiro vendedor - cfr. art.° 49.° do RAU (DL n.° 321-B/90), que remete para o n° 1 do art.° 416°.

  9. - Nem tampouco, a referida convicção poderia ser abalada com uma mera citação para uma acção judicial, é-lhes lícito acreditar na justiça e aguardar o desfecho favorável (que infelizmente não aconteceu por motivos alheios à sua vontade e à sua crença íntima) dos processos judiciais, não sendo aqui relevante o momento processual da citação.

  10. - Destarte, é manifestamente excessivo considerar que, porque apenas ocorreu a tal citação, os 1°s réus se tornaram possuidores de má-fé.

  11. - Aliás, não encontra fundamento na lei, pois a concepção de boa-fé aqui é uma boa-fé subjectiva, no dizer do Prof. Oliveira Ascensão de "directriz psicológica".

  12. - Não funciona aqui o efeito automático da alínea a) do art.° 481° do CPC, já que este normativo é apenas aplicável às acções possessórias e em que o réu seja possuidor, sendo esta uma norma excepcional, um desvio à regra.

  13. – No período que medeia entre a compra e venda do imóvel (o primitivo negócio) e o trânsito em julgado da acção de preferência, os aqui 1°s réus são considerados, como resulta do n° 2 do art.° 277° do CC, administradores da coisa.

  14. - Neste artigo, no seu n° 3, apenas se remete para o regime da posse, em matéria de propriedade dos frutos, não quanto à qualificação dessa posse, sendo inaplicável, porque a isso obsta o art.° 11° do CC, o normativo excepcional da alínea a) do art.° 481° do CPC; 16ª - Aliás, como sustentam os recorrentes, ao abrigo do n° 2 do art.° 1260° do CC. a sua posse, como titulada, presume-se de boa fé, não tendo...

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