Acórdão nº 01251/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução14 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório A…, LDA. inconformada com a sentença que julgou improcedente a acção ordinária por si intentada contra B… SA, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. O Tribunal “a quo” estava obrigado a realizar e dar a conhecer a ponderação dos motivos de facto e de direito da sua decisão. Todavia, basta uma leitura medianamente atenta da sentença recorrida para se concluir que o tribunal “a quo” não indicou (tão-pouco de forma genérica e/ou sintética) os motivos que subjazem à sua conclusão de não considerar verificado do nexo causal entre o facto ilícito e os danos provocados na viatura da ora Recorrente.

  2. Efectivamente, não é admissível/aceitável que, à guisa de fundamento de uma sentença, se faça uma mera alusão, com notória singeleza, que não foi produzida prova, pela mera circunstância de ter sido dada resposta parcialmente negativa a um dos vários quesitos da base instrutória.

  3. Impunha-se que o tribunal “a quo” concluindo como concluiu (inexistência do nexo causal), indicasse o porquê dessa decisão e o processo lógico - mental que serviu de suporte a tal conteúdo decisório.

  4. Pois, ante a factual idade considerada provada, não se alcança porque razão e em que medida, considerou o tribunal “a quo”, não estarem verificados, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

  5. Na verdade, como supra se disse, impunha-se ao tribunal “a quo” que na referida "fundamentação" da sentença esclarecesse o percurso cognitivo percorrido e que terá estado (?) na base de tal decisão, o que, na realidade, não sucedeu.

  6. Designadamente, o tribunal “a quo” não esclarece porque razão terá baseado a sua decisão, única e exclusivamente, na resposta parcialmente negativa do quesito 10), excluindo toda a restante matéria dada como assente, bem como a restante prova produzida em sede de audiência e julgamento.

  7. Ou seja, não esclarece por que razão afastou todas as demais provas produzidas e não considerou alguns dos meios de produção de prova legalmente possíveis e admissíveis.

  8. Emerge do art. 659.°, n.º 3, do CPC que, “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer.” i) Tribunal “a quo” ao não expor e fundamentar, nos termos exigidos pela lei, o percurso cognitivo percorrido que subjaz à sentença, gera, o que desde já se invoca, a nulidade da mesma, nos termos do art. 668.°, n.º 1, alínea b), do CPC, violando o disposto no arts. 659.°, n.º 3, e 158.°, ambos do CPC.

  9. Como supra exposto, a falta de fundamentação da sentença gera, o que ora se invoca, a nulidade da sentença, nos termos do art. 668° nº 1 alínea b) do C.P.C., com as legais consequências daí decorrentes.

  10. Compete à recorrida zelar pela manutenção permanente de condições de conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitissem a livre e segura circulação, devendo realizar todas as actividades necessárias à manutenção da qualidade ou requalificação das estradas, pontes e infra-estruturas associadas e promover a segurança rodoviária e a comunicação com o utente, através da sinalização adequada.

  11. No local em causa, nos presentes autos, ocorreram vários acidentes antes e depois do sinistro de que foi vítima o veículo da Recorrente, e o traçado do acesso à rotunda foi alterado posteriormente o que, por si só, deveriam ser consideradas provas bastantes da existência de omissão do dever de promover a segurança rodoviária pela Recorrida.

  12. No que concerne ao pressuposto da culpa, o art. 4.° do DL n.º 48.051, de 21/11/67, remete expressamente para o critério estabelecido no art.º 487.° do Código Civil - a culpa é apreciada "pela diligência exigível a um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" (n.º 2).

  13. Como ensina Antunes Varela, das Obrigações em Geral, agir com culpa, significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, sendo que essa conduta será reprovável quando o lesante, em face das circunstâncias concretas da situação, "podia e devia ter agido de outro modo".

  14. É certo que, em princípio, é ao lesado que invoca o direito quem tem o dever de alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer (art. 342.°, nº 1, do Código Civil).

  15. Sendo assim, seria a Recorrente que teria o ónus de alegar e provar (como no seu entender fez) os factos constitutivos de todos os pressupostos necessários para que se verificasse a obrigação de indemnizar, nomeadamente no que toca à existência de culpa, salvo no caso de beneficiar de presunção de culpa.

  16. Porém, competindo à Recorrida a colocação e manutenção da sinalização da obra e via e não tendo esta agido com a diligência devida e que lhe era exigível, no cumprimento do dever de que estava incumbida, de vigiar e verificar a existência de sinalização e iluminação adequada e o bom estado dos sinais de trânsito, verifica-se a existência da presunção legal de culpa da ora Recorrida, nos termos do art. 493.°, n.º 1, do CC.

  17. Assim, para beneficiar dessa presunção, a Recorrente não precisava de alegar factos que demonstrassem existir culpa efectiva da Recorrida (cfr. arts. 349° e 350.°/1 do CC), cabendo antes à Recorrida ilidir essa presunção (art. 350.°, n .° 2.

  18. Como se entendeu no Acórdão STA de 14.10.03, recurso 736/03, "ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art. 493.°, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre, por via da presunção legal ali estabelecida, em responsabilidade civil extra contratual pelos danos a que der causa, resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa".

  19. Assim, face à aludida presunção de culpa, ter-se-á que considerar caber à Recorrida a responsabilidade total dos prejuízos decorrentes do acidente.

  20. Tanto mais que não se verificou qualquer indício no sentido que tenha havido facto do condutor da Recorrente a concorrer para a produção do dano.

  21. Mesmo admitindo que a Recorrida tenha mandado colocar sinalização vertical definitiva, com componente reflectora, conforme seria suposto em situações normais e semelhantes (o que apenas por exercício de raciocínio se concebe), a verdade é que não ficou demonstrado qual foi a sinalização efectivamente colocada no local, se a mesma estava visível e em condições de ser vista pelo condutor do …, de forma a permitir que este adequasse a sua condução aos obstáculos.

  22. Ademais, ficou provado nos autos que a existir sinalização danificada no local, a necessitar de reparação, reposição e reforço.

  23. Mais ficou provado que à entrada da rotunda, a hemi-faixa de rodagem da direita, destinada ao trânsito no sentido Vila Franca de Xira - Lisboa, e por onde seguia o ..., apresentava uma inflexão acentuada para a esquerda, originando um acentuado estreitamento daquela via, o qual, à data, também não estava sinalizado (nem por sinalização vertical nem marcas rodoviárias) (cfr. item A do esboço da participação de acidente de viação elaborada pela GNR, como Doc. 2 junto com a p.i.).

  24. Este estreitamento incidente sobre o lado direito, com um lancil sobre-elevado cerca de 20 centímetros, só por si oferecia grande perigo para o trânsito e, por isso, impunha-se a sua conveniente sinalização, designadamente através do sinal adequado, que seria o sinal A4c, previsto no art. 19.°, n.º 2, do «Regulamento de Sinalização do Trânsito» (RST), aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 01 de Outubro, com as alterações do Decreto Regulamentar n.º 41/2002, de 20 de Agosto.

  25. Assim, deveria ter-se sido considerado ilícito o comportamento da Recorrida, que não cumpriu o dever de sinalizar, em termos convenientes, os obstáculos existentes na vias públicas nacionais, por forma bem visível, de molde a evitar qualquer acidente, ou seja, desrespeitou o dever de promover a segurança rodoviária, nomeadamente através de sinalização horizontal e vertical adequada, o que lhe é imposto pelo art. 4.°, n.º 2, alínea l), dos seus estatutos, e o dever de prudência comum que devia ter sido tomado em consideração.

    aa) É manifesto que a manutenção, conservação, reparação e sinalização das vias públicas visa, essencialmente, facultar a sua utilização por parte dos condutores, sem que sejam confrontados com obstáculos inopinados e imprevisíveis susceptíveis de lhes provocarem danos.

    bb) Ao não actuar como devia (omissão), a Recorrida constituiu-se na obrigação de indemnizar a Recorrente pelos prejuízos sofridos por esta.

    cc) A ocorrência do acidente só pode ser imputada à conduta omissiva da Recorrente, porquanto o condutor do veículo ..., ficou surpreendido com o traçado da via, bem como não ter visto o lancil que configurava o estreitamento antes da rotunda, a tempo de se desviar dele, única e exclusivamente, por um lado, porque a existência da rotunda e do lancil que a antecedia não estavam sinalizados ou, pelo menos, não o estavam de forma conveniente e adequada para oferecer segurança aos utilizadores da via, o que equivale à sua não existência (se assim não fosse porque razão a CMVFX e a GNR teriam alertado a Recorrida) e por outro porque o traçado da via, nomeadamente do lancil antes do acesso à rotunda, foi mal desenhado e construído constituindo-se num enorme e inopinado obstáculo a todos os condutores e em especial aos que ali circulavam de noite. Acresce aqueles obstáculos não eram detectáveis por quem circulasse naquela via, sendo certo que a regulação de velocidade que os condutores devem efectuar não tem de ser feita relativamente a obstáculos indetectáveis, isto é, não sendo detectável o obstáculo, o espaço livre e visível à frente que o condutor tinha de considerar, para efeitos...

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