Acórdão nº 1388/05.2TBCHV.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelM. PINTO DOS SANTOS
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 361 - FLS. 221.

Área Temática: .

Sumário: I- Quando é demandada uma Junta de Freguesia sem a menção expressa de que actua em representação da respectiva Autarquia (Freguesia), deve considerar-se, ainda assim, oficiosamente, que a mesma actua nessa qualidade, por só esta (a Freguesia) ter personalidade jurídica (e judiciária) e aquela (a Junta) ser o seu órgão legalmente competente para propor ou contestar acções em sua representação.

II- Nas acções de impugnação de escritura de justificação notarial impende sobre o/a justificante (réu/ré) o ónus da prova dos factos invocados na escritura, ou seja, dos actos de posse sobre o prédio em questão e do decurso do tempo necessário à aquisição do respectivo direito (de propriedade), por usucapião.

III- Os baldios eram prescrítíveis (podiam ser adquiridos por usucapião por particulares) ao abrigo do Código de Seabra, do Código Administrativo de 1940 e do actual Código Civil até à publicação do DL 39/76, de 19/01 (1 Lei dos Baldios pós 25 de Abril de 1974).

IV- Ao abrigo da mesma legislação, e não obstante a respectiva propriedade pertencer, como hoje, às comunidades locais, os baldios eram geridos e administrados pelas Juntas de Freguesia (os baldios paroquiais) ou pelas Câmaras Municipais (os baldios municipais), faculdade que ainda hoje pode ocorrer (embora em condições muito mais restritas) ao abrigo e nos termos especialmente previstos no art. 22° da Lei n° 68/93, de 04/09 (actual Lei dos Baldios).

V- Uma Freguesia (através da respectiva Junta) que desde sempre (desde tempos imemoriais) administrou e geriu, nos termos da referida legislação, os terrenos baldios só pode invocar a aquisição, a seu favor, do direito de propriedade sobre eles, por usucapião, se alegar e provar a inversão do titulo da posse e que o prazo para usucapir se consumou antes da entrada em vigor do DL 39/76.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Pc. 1388/05.2TBCHV – 2ª Secção (apelação) ________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Ramos Lopes Des. Cândido Lemos* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B………….., C………… e D………….., na qualidade de compartes, instauraram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Junta de Freguesia de ……., todos devidamente sinalizados nos autos, pedindo que se declare: - Que a ré não é proprietária dos prédios rústicos identificados no art. 3º da p. i.; - Que a escritura de justificação notarial de posse que outorgou no Cartório Notarial de Chaves a 21/07/2005, indicada na mesma p. i., é nula e ineficaz - Que são nulos os registos daqueles prédios em nome da ré, bem como os que eventualmente se lhes seguiram a favor de terceiros, com o consequente cancelamento desses registos.

Alegaram, para tal, que os referidos prédios rústicos são e sempre foram baldios e, como tal, desde tempos imemoriais, vêm sendo comunitariamente possuídos e geridos pelos povos, naturais e residentes, da freguesia de …….., que a ré nunca os possuiu em nome próprio nem adquiriu sobre eles o direito de propriedade cujo registo visou com a outorga da dita escritura e que, por isso, são falsos os fundamentos nela exarados.

A ré contestou a acção (fls. 50 a 52 verso), impugnado os factos alegados pelos autores, designadamente que os prédios em questão sejam ou tenham sido baldios, e alegando factualidade com a qual visou demonstrar que vem possuindo tais prédios em nome próprio, desde 1900, pelo menos, e que, por usucapião, adquiriu sobre eles o respectivo direito de propriedade, tendo sido por isso e parta tal fim que outorgou a aludida escritura de justificação.

Pugnou, porém, apenas pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador e foram seleccionados, sem reclamação, os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória (fls. 70 a 74).

Realizada a audiência de discussão e julgamento e após resposta aos quesitos da base instrutória (fls. 221 a 223), foi proferida sentença que julgou a acção “procedente” e declarou “que a ré não é proprietária dos 19 prédios rústicos que foram alvo da justificação notarial descrita nos pontos 1º, 2º e 3º da factualidade assente, declarando-se tal escritura como ineficaz, designadamente para fundamentar qualquer registo na Conservatória do Registo Predial de Chaves ou para definir qualquer direito sobre os 19 prédios rústicos acima descritos, ordenando o cancelamento das inscrições efectuadas no registo predial com base em tal título”.

Inconformada com o assim decidido, dela apelou a ré que concluiu a sua motivação do seguinte modo (considerando já a “correcção” de fls. 271 e 272, apresentadas na sequência de convite deste Tribunal ao abrigo do nº 4 do art. 690º do CPC): “1 – A escritura pública de justificação notarial, objecto da presente acção, foi outorgada pela Freguesia de ……. e não pela Junta de Freguesia de …….

2 – A ré/recorrente não outorgou qualquer escritura, nem registou a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Chaves qualquer um dos prédios rústicos referidos no pedido dos autores/recorridos.

3 – A ré Junta de Freguesia de ….., demandada na presente acção, deverá ser sempre julgada parte ilegítima na presente acção.

Ou, caso assim se não entenda, 4 – Porque foi a Junta de Freguesia de ….. quem fez todas as plantações e abates de pinheiros e limpeza de mato nos prédios rústicos constantes dos pedidos dos autores; 5 – Porque foi a Junta de Freguesia de …… quem sempre realizou os trabalhos de limpeza e conservação nesses prédios; 6 – Porque foi a Junta de Freguesia de …… quem sempre fez a abertura e amanho de caminhos e estradões nesses prédios; 7 – Porque sempre foi a Junta de Freguesia de …… que explorou a resina ou cedeu a sua exploração nos pinheiros existentes nesses prédios; 8 – Porque sempre foi a Junta de Freguesia de …… que procedeu ao pagamento ao Estado de todas as contribuições e impostos devidos por esses prédios; 9 – Porque todos esses factos vêm sendo praticados, pelo menos, desde o ano de 1900 e até à presente data; 10 – Ininterruptamente; 11 – À vista e com conhecimento de toda a gente; 12 – Sem oposição de quem quer que fosse; 13 – Porque todos os referidos prédios sempre estiveram inscritos na respectiva matriz em nome da Freguesia de …….; 14 – E porque nunca qualquer um desses prédios constou na matriz como baldio; 15 – A presente acção deveria ter sido (…) julgada improcedente e não provada.

16 – Com efeito, a (…) douta sentença ora recorrida está em nítida contradição com todos os referidos factos.

17 – Por outro lado, também a mesma não se fundamenta em razões válidas de facto e/ou direito que a justifiquem.

18 – A (…) douta decisão viola, por isso, o disposto nas alíneas b) e c) (do) nº 1 (do) art. 668º do CPC.

19 – Viola também o disposto nos arts. 26º e 493º e segs. do CPC.

20 – Viola o disposto nos arts. 1311º e segs. do CC.

21 – A decisão ora recorrida deverá, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue a ré Junta de Freguesia de ….. como parte ilegítima para a presente acção e, consequentemente, a absolva dos pedidos (…) formulados.

22 – Ou caso assim se não entenda, deverá a presente acção ser julgada improcedente, por não provada.

Ternos em que deve dar-se provimento ao recurso em conformidade com as conclusões que antecedem, revogando-se a (…) sentença ora recorrida e proferindo-se outra que julgue a ré como parte ilegítima (…), ou, (…) que julgue a acção totalmente improcedente, (…), com todas as consequências legais”.

Os autores contra-alegaram em defesa do decidido na sentença recorrida pugnando pela respectiva confirmação.

Foram colhidos os vistos legais.

* * *II. Questões a apreciar e decidir: Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da apelante - art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ. [na redacção aqui aplicável, anterior à introduzida pelo DL 303/2007, de 24/08, por a acção ter sido instaurada antes da entrada em vigor deste diploma e por o mesmo não se aplicar às acções então pendentes – cfr. os respectivos arts. 11º nº 1 e 12º nº 1], as questões que importa apreciar e decidir traduzem-se em: ● Saber se a ré é parte ilegítima e se, por isso, deve ser absolvida da instância (e não do pedido como erradamente reclama nas alegações).

● Saber se a sentença recorrida merece censura por não ter reconhecido que os prédios em causa foram adquiridos, por usucapião, pela Freguesia de ……. e ter, pelo contrário, julgado procedente a pretensão dos autores.

* * *III. Factos provados: Na sentença da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1) No dia 21 de Julho de 2005, no Cartório Notarial de Chaves. outorgaram escritura de justificação notarial de posse E………., F……….. e H…………., na qualidade, respectivamente, de Presidente, Secretário e Tesoureiro da sobredita autarquia e de representantes desta.

2) Declararam na escritura que: - “a autarquia que representam é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, de vinte prédios, todos sitos na freguesia de …….., concelho de Chaves, identificados num documento complementar, elaborado nos termos do número um do art. 64.º do Código do Notariado, que fica a fazer parte integrante desta escritura, os quais somam o valor atribuído total de vinte e três mil e quinze euros”; - “que nenhum dos prédios identificados no referido documento complementar se encontra descrito na CRP de Chaves e todos eles se encontram inscritos na respectiva matriz predial em nome da autarquia representada pelos primeiros outorgantes"; - “que a sua representada adquiriu os identificados prédios no ano de mil e novecentos por doação verbal que lhe fez I…………, viúvo, residente que foi na freguesia de ……., porém nunca realizaram a respectiva escritura pública, pelo que ficou sem título formal que lhe permita fazer prova do seu direito de propriedade e obter...

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