Acórdão nº 1058/08.0TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

N…, com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento porquanto indiciado, segundo acusação deduzida pelo Ministério Público, da prática enquanto autor material, sob a forma consumada, e como reincidente, de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma, bem como dos artigos 26.º; 75.º e 76.º, estes todos do Código Penal.

Realizado o contraditório, proferiu-se sentença determinando, ao ora relevante, condenar o arguido pela autoria do assacado ilícito, na pena de 20 (vinte meses) de prisão.

1.2. Arguido que não se revendo no assim sentenciado, interpôs o presente recurso apresentando, após motivação, as conclusões seguintes: 1.2.1. A condenação imposta ao ora recorrente, assenta na detenção para venda de um produto prensado com um peso de 27,027 g, que sujeito a exame se apurou ser Cannabis, em resina.

1.2.2. A propósito, formou-se a convicção do Tribunal recorrido a partir de parte das declarações do arguido e no depoimento da única testemunha de acusação – C –.

1.2.3. Para que emirja a subsunção de uma conduta à previsão do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, torna-se indispensável a prova em Tribunal de que a detenção se mostra criminalmente ilícita. O que se não verificou, 1.2.4. Pois, no caso sub judice, apenas ficou demonstrado que o arguido encontrou e guardou o produto em referência.

1.2.5. Igualmente não ficou comprovado em audiência que o recorrente deteve o produto em causa, destinando-o à venda a outros reclusos que se propusessem comprar-lho.

1.2.6. Tudo porque o Tribunal a quo desconsiderou as próprias declarações do arguido nesse sentido e, pelo contrário, acolheu por verdadeiro o depoimento da única testemunha de acusação! 1.2.7. Com efeito, em momento algum afirmou a testemunha que o arguido detivesse, ilicitamente, o estupefaciente em referência ou se propusesse vender o mesmo.

1.2.8. Antes, o que dita testemunha afirmou foi que o recorrente era, á data da verificação dos factos, dependente de produtos estupefacientes.

1.2.9. E que a cela onde foi encontrado o produto em causa, tinha sido anteriormente ocupada por reclusos traficantes.

1.2.10. Para concluir pela forma em que o fez, o Tribunal a quo socorreu-se de regras do ónus da prova, entendendo que a simples detenção do estupefaciente faz presumir a intenção do recorrente em vender ou traficar, o que se mostra legalmente inadmissível.

1.2.11. A decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, pois se, por um lado, consigna que a aludida testemunha afirmou que o recorrente “assumiu imediatamente ser dele o produto estupefaciente encontrado, quando perguntaram a quem pertencia dos três que ocupavam a cela”, mais adiante, sustenta que tal testemunha referiu que o arguido lhe “confessou não só ser da sua pertença o produto em causa mas que o destinava à venda a terceiros.” 1.2.13. Acresce, mesmo concedendo-se resultar exclusivamente do depoimento indirecto da testemunha em análise, a prova de que o recorrente destinava o produto estupefaciente a ser vendido.

1.2.14. Todavia, tendo o arguido prestado declarações (relembra-se que negando deter o produto estupefaciente para o vender), não deveria o Tribunal a quo tê-lo acolhido, por acatamento ao disposto no artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e entendimento sustentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26 de Junho de 2002, acessível em www.dgsi.pt.

1.2.15. Uma vez que o Tribunal sindicado não logrou definir qual a intenção com que o recorrente detinha o produto, esse estado de dúvida não deveria, por aplicação do princípio do in dúbio pro reo, e, como sucedeu, impor a conclusão segundo a qual a simples detenção faz presumir a sua intenção de vender. 1.2.15. Fazendo-o preteriu-se o estatuído pelo artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Terminou pedindo a revogação da sentença recorrida, substituída por acórdão desta instância que determine a sua absolvição.

1.3. Notificado para o fazer, querendo, respondeu o Ministério Público sufragando a manutenção do decidido.

1.4. Proferido despacho de admissão da impugnação, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a igual improvimento.

1.6. Cumpriu-se com o disciplinado no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

1.7. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

1.8. Como assim, colhidos os vistos devidos, seguiram os autos para submissão à presente conferência.

1.9. Urge agora ponderar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. Na sentença recorrida, foram considerados por provados os factos seguintes: 1. O arguido no mês de Julho de 2008 encontrava-se em cumprimento de pena de prisão no EPR de..

  1. No dia 10 de J… de 2008, no decurso de uma revista à cela que o mesmo ocupava, escondido num saco de papéis, foi encontrado e apreendido um produto prensado com um peso de 27,027 g, que sujeito a exame se apurou ser Cannabis, em resina.

  2. Tal produto fora encontrado e guardado pelo arguido que o destinava a outros reclusos que se propusessem comprar-lho.

  3. Agiu livre, voluntária e conscientemente.

  4. Sabia que não lhe era permitido deter, transportar, pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem aquela substância estupefaciente, cujas características bem conhecia.

  5. Sabia o seu comportamento proibido por lei e criminalmente punível.

  6. Antes de preso vivia com a companheira, e uma filha (de 9 anos de idade), em casa arrendada; tem o 6.º Ano de Escolaridade.

  7. Foi condenado: A 9.07.2001, pela prática, a 10.08.99, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em 75 dias de multa – extinta pelo pagamento; A 21.01.2002, pela prática, a 7.04.2001, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em 70 dias de multa – extinta pelo pagamento; A 20.01.2002, pela prática, a 22.06.2000, de um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, e de um crime de desobediência, em 100 dias de multa (pena única) – extinta pelo pagamento; A 19.04.2002, pela prática, a 16.06.2000, de um crime de ameaça, em 150 dias de multa – extinta pelo pagamento; A 10.05.2002, pela prática, a 10.05.2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em 100 dias de multa – extinta pelo pagamento; A 3.07.2003, pela prática, a 31.10.2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos – revogada e ordenado o cumprimento da pena de prisão; extinta pelo cumprimento; A 10.11.2003, pela prática, a 12.04.2001, de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, em 100 dias de multa; A 13.11.2003, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em 4 anos e 6 meses de prisão; A 2.04.2004, pela prática, a 25.09.2003, de um crime de furto simples, em 60 dias de multa; A 17.06.2004, pela prática, a 15.07.2003, de um crime de furto simples, em 60 dias de multa; A 9.02.2005, pela prática, a 28.04.2004, de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, e a 29.04.2004 de um crime de desobediência qualificada e de um crime de desobediência simples, em 17 meses de prisão (pena única); A 14.06.2005, pela prática, a 6.03.2004, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em 11 meses de prisão; A 12.10.2005, pela prática, a 10.03.2004, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, e dois crimes de desobediência simples, em 15 meses de prisão (pena única).

2.2. Na mesma sentença, mas agora no que concerne a factos não provados, precisou-se: Inexistem.

2.3. Por fim, a motivação probatória inserta nessa peça processual é do teor que segue: Foram determinantes para a fundamentar: Factos 1.º a 3.º: As declarações do arguido – confirmando a sua situação de recluso, à altura, a revista à sua cela e apreensão do produto estupefaciente que se achava acondicionado num saco de papéis, mas pretendendo transmitir a ideia de que após ter encontrado o produto na cela para que mudara, o guardava para entregar ao seu dono (um recluso que antes habitara aquela cela), uma vez que não podia entregar o produto estupefaciente aos guardas prisionais, porque tinha medo de represálias por parte do dono do produto –, complementadas pelo depoimento da testemunha C., guarda prisional...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT