Acórdão nº 116/05.7TAELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução18 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário: 1. A imagem do que vem sendo entendido relativamente à prova documental e aos meios de obtenção de prova (vd, por todos, o Ac. TC 87/99), o disposto no art. 355.º do CPP não exige a efectiva leitura e exame do relatório pericial em audiência, bastando-se com o acesso ao mesmo desde que é junto aos autos e a possibilidade de exercício de alguma das faculdades reconhecidas aos sujeitos processuais no art. 157.º, nº1 (pedido de esclarecimento aos peritos) ou no art. 158.º do CPP (pedido de realização de novas perícias).

  1. Apesar do art. 379.º, nº1, al. b) do CPP referir na sua letra apenas a condenação por factos diversos, tem-se entendido a favor do arguido e, portanto, sem que se lhe oponha a proibição constitucional e ordinária de analogia “malam partem”, que aquela al. b) do n.º1 do art. 379.º vale igualmente para os casos de condenação do arguido com base em qualificação jurídica diversa da constante da acusação, sem cumprimento do disposto no art. 358.º do CPP. É esta a doutrina a extrair do Acórdão de Fixação de Jurisprudência (AFJ) nº 7/2008 de 25 de Junho, de acordo com o qual o incumprimento do disposto no art. 358.º nestes casos reconduz-se à nulidade de sentença prevista no art. 379º nº1 b) do CPP. Como aí se diz, ao condenar-se o arguido “…em pena acessória cuja indicação da disposição legal que a prevê e estabelece a sua medida foi omitida na acusação contra ele deduzida, sem que da respectiva alteração tivesse sido prevenido nos termos do art. 358º nºs 1 e 3, há que concluir que se incorreu em nulidade prevista na al. b) do nº1 do art. 379º”, posição igualmente assumida pelo STJ quando está em causa a pena acessória de expulsão.

    Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. – Nos presentes autos, que correm termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Elvas, foi acusado em processo comum com intervenção do tribunal colectivo J.R., …divorciado, empresário, residente …., em Elvas, a quem o MP imputara a prática, na forma consumada, de cinco crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº1, alínea a), do Código Penal, com referência ao conceito de documento constante da alínea a) do artigo 255º do mesmo diploma, na redacção vigente à data da prática dos factos.

  2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, decidiu o tribunal a quo: a) Absolver o arguido J.R. da prática de 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alínea a), do Código Penal.

    1. Condenar o arguido J.R. pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €4 (quatro euros), no total de €800 (oitocentos euros), a que correspondem subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão.

  3. – Inconformado, recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES 1º O Acórdão recorrido ao considerar provada a matéria de facto constante da rubrica II- Fundamentação, seus pontos 2.1.6., 2.1.7, 2.1.10 e 2.1.12., a qual não constava do libelo acusatório de fls. 173/176 dos autos, violou o disposto nos Artigos 323 alínea f), 327, 339, nº4, 340, nº2, 343, 345, nº 1, 358 e 359, todos, do C.Proc.Penal, incorrendo em NULIDADE insuperável na elaboração da decisão recorrida por força do Art. 379, nº 1 alínea b) do C.Proc.Penal.

    1. O Acórdão recorrido ao considerar provada a matéria de facto constante da rubrica II - Fundamentação seus pontos 2.1.8 e 2.1.9 (imitação de assinaturas desenhadas pelo arguido) incorreu em "erro notório na apreciação da prova" (Art. 410º, nº2 alínea c) do C.Proc.Penal) quer pela incorrecta apreciação e interpretação dos depoimentos das testemunhas e do próprio arguido (Transcrição integral junta) quer pela valoração indevida do Relatório Pericial (folhas 160¬170) o qual, para além de se limitar a formular um juízo de probabilidade, é inconclusivo e irrelevante para efeitos de prova (Não foi produzido nem examinado em audiência) por força do disposto nos Artigos 355, nºs 1 e 2 e 356, nº 9, ambos, do C.Proc.Penal; 3º A matéria de facto que no Acórdão recorrido foi considerada provada nos aludidos pontos 2.1.6., 2.1.7, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.10 e 2.1.12. da rubrica 11- Fundamentação, pelos invocados motivos, de facto e de direito, deve ser considerada como não provada (art. 327, 339, nº4, 340, nº2, 343, 345, nº1, 355, 356. nº9, 358,359, 379, nº1, alínea b) e 410, n°2 alínea c), todos do C.Proc.Penal e, como tal, como inexistente e / ou irrelevante para a decisão final a proferir.

    2. Não se provou, por isso, que o arguido tivesse Imitado/Falsificado a assinatura da testemunha M. (1), que não desenhou, tal como não se provou que tivesse obtido, para si ou para outra pessoa, beneficio ilegítimo (2) ou causado prejuízo (2), a outra pessoa ou ao Estado, circunstâncias, estas últimas (2), que nem sequer foram feitas constar da douta acusação pública integrando tal matéria de facto o conceito de decisão surpresa, nos termos e para os efeitos do Art. 358 e 359 do C.Proc.Penal, e como tal Nula e de Nenhum efeito (Art° 379, nº 1 alínea b) do C. Proc.Penal 5° O arguido não cometeu, por todos os motivos invocados de facto e de direito, o crime por que foi acusado e injustamente condenado (Art. 256, nº 1 alínea a) do C.Penal), em qualquer caso por o libelo acusatório de folhas 173/176 não lhe imputar, de forma completa, factos que integrassem este tipo legal de crime, nomeadamente, no que concerne à (in)existência do requisito do beneficio prejuízo para si, para outra pessoa ou para o Estado, cuja verificação o ilustre magistrado do Ministério Público não considerou no libelo acusatório.

    3. O arguido, por não ter cometido o crime, por que foi acusado e julgado, deve ser absolvido e mandado em paz.

    Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas doutamente Suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o Acórdão Recorrido e substituindo-se por um outro Acórdão que absolva o arguido recorrente e o mande em paz, assim se fazendo JUSTIÇA» 4. – O MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, pugnando pela total improcedência do recurso.

  4. - Nesta Relação, a senhora magistrada do MP emitiu parecer no sentido da procedência do recurso por se verificar a nulidade de sentença prevista no art. 379º nº1 b) do CPP, em virtude de o tribunal a quo ter procedido a qualificação jurídica dos factos diversa da acusação, sem ter dado cumprimento ao disposto no art. 358º nº3 do CPP.

    Conclui que a sentença recorrida deve ser declarada nula, remetendo-se o processo à 1ª instância para cumprimento daquele preceito legal.

  5. – Notificado da junção daquele parecer, nos termos do art. 417º nº2 CPP, o arguido veio reafirmar o teor das conclusões da sua motivação.

  6. A decisão recorrida (transcrição parcial) «2.1- Matéria de facto provada: Da discussão da causa e com interesse para a responsabilidade penal do arguido resultaram provados os seguintes factos: 2.1.1- M. e J.R. foram casados entre si. Na sequência de dissídios conjugais surgidos no início do ano de 2004, os cônjuges separaram-se em Outubro desse mesmo ano e mantiveram esse afastamento até à data da dissolução do respectivo casamento.

    2.1.2- M. e J.R. eram em 2004 sócios da sociedade “P. .., Ldª”, empresa que se dedica à administração de condomínios, prestação de serviços técnicos, reparações de electricidade, manutenção de jardins e espaços verdes, electrónica, pinturas, canalizações, electrodomésticos.

    2.1.3- M. foi nomeada gerente por deliberação da Assembleia-Geral datada de 07/07/2003, que decidiu ainda fixar-lhe a remuneração mensal de €356,60 (trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta cêntimos), posteriormente actualizada. Por deliberação datada de 30/06/2004, a M. deixou de receber a dita remuneração, com efeitos a partir de 01/07/2004.

    2.1.4- A referida sociedade era administrada e gerida pelo arguido J.R. que, no exercício das suas funções, recorria aos serviços de um Técnico Oficial de Contas, para tratar contabilisticamente da documentação relativa à actividade da mesma, designadamente para processar os documentos relacionados com os “custos com pessoal” – onde estava incluída a remuneração auferida por M. –, que eram apresentadas à Administração Fiscal.

    2.1.5- Por força desses dissídios conjugais, a dita sócia-gerente deixou de facultar ao arguido a sua assinatura em diversa documentação relativa à aludida sociedade, designadamente não assinou diversas actas de Assembleias-Gerais [actas nºs 4, 5 e 10] e os recibos de vencimento relativos aos meses de Maio e Junho de 2004.

    2.1.6- O arguido necessitava dessa assinatura (nas actas das Assembleias-Gerais e nos recibos de vencimento) para regularizar a situação fiscal da “P.., Ldª” junto da Administração Tributária.

    2.1.7- Então, em data não concretamente determinada, mas subsequente ao mês de Junho de 2004, o arguido tomou a resolução de imitar a assinatura da sua mulher nos documentos em que essa firma fosse necessária, com o objectivo de fazer aparentar a regularidade dessa documentação e justificar parte das despesas associadas aos custos de pessoal.

    2.1.8- Na sequência dessa decisão, o arguido apôs uma assinatura que imitava a da sua esposa nos “recibos de vencimento” relativos aos meses de Maio e Junho de 2004 e nas três actas que ostentavam os nºs 4, 5 e 10 do Livro de Actas apenso, que não estavam firmados pela sua mulher M.

    2.1.9- Para tanto, o arguido desenhou, pelo seu próprio punho, as “assinaturas” que imitavam as da sua esposa M...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT