Acórdão nº 243/07.6TTBJA.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Exercendo o trabalhador as funções de encarregado de obras da empregadora, sendo ele quem controlava o andamento dos trabalhos e quem estava incumbido de solicitar a comparência do engenheiro da obra e do gerente da empregadora, quando fosse necessário, não tendo adoptado os procedimentos necessários a evitar os graves defeitos de construção assinalados, violou culposamente e de forma grosseira o dever de realizar com zelo e diligência as funções que lhe estavam cometidas (artigo 121.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho).

  1. Atendendo à natureza das funções exercidas, o trabalhador, com a sua conduta grave e culposa, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a sua manutenção, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do disposto no artigo 396.º, n.os 1, 2 e 3, alíneas d) e e), do Código do Trabalho de 2003.

  2. É certo que a antiguidade e o bom comportamento anterior do trabalhador são, sem dúvida, elementos a ponderar, mas não podem sobrepor-se à gravidade dos actos praticados.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 17 de Outubro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Beja, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, L.da, pedindo que, declarada a ilicitude do seu despedimento, a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 59.416,95, concernente aos valores parcelares seguintes: (a) € 39.456, atinentes à indemnização em substituição da reintegração, (b) a quantia de € 800, relativa a diferenças salariais na retribuição de Agosto de 2006 e subsídio de férias pago no mesmo ano, (c) € 800, respeitantes a diferenças salariais na retribuição dos meses de Setembro e Outubro de 2006, (d) € 884,85, pertinentes a proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal, no ano de cessação do contrato de trabalho, (e) € 7.476, referentes a retribuições de férias não gozadas, (f) € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora legais, desde a data da citação até integral pagamento.

    Alegou, em suma, que foi admitido ao serviço da ré, em 28 de Fevereiro de 1983, para exercer as funções de encarregado de obras, tendo sido despedido através de carta datada de 25 de Outubro de 2006, na sequência de um processo disciplinar; contudo, assevera, inexiste a invocada justa causa, pois os factos constantes da nota de culpa, não correspondem à verdade, sendo que, durante os anos de trabalho para a ré, nunca foi confrontado com uma repreensão; mais aduziu que, no interesse da ré, durante os quase vinte e quatro anos de trabalho nunca gozou o período completo de férias e que a decisão de despedimento lhe provocou danos não patrimoniais.

    A ré contestou, alegando que a sanção de despedimento aplicada ao autor se mostra adequada à gravidade dos factos apurados no processo disciplinar, concluindo pela improcedência da acção e pela licitude do despedimento.

    Após o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, nos termos que se passam a referir: «(A) [julgar] lícito o despedimento do autor efectuado pela ré e improcedentes os pedidos de indemnização formulados pelo autor; (B) [julgar] procedente o pedido formulado pelo autor, a título de diferenças salariais, relativo à diferença entre o valor pago referente ao salário de Agosto e subsídio de férias e aquele que deveria ter sido pago, no montante de € 800,00; (C) [julgar] parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, no valor, em falta, de € 188,54, absolvendo a ré do demais peticionado nesta parte; (D) [julgar] improcedente o pedido de retribuição por férias não gozadas, no valor de € 7.476,00; (E) todas as quantias em que a ré vai condenada são acrescidas de juros legais, desde a data da citação até integral pagamento.» 2.

    Inconformado, o autor apelou, sendo que o Tribunal da Relação de Évora julgou a apelação parcialmente procedente, confirmando a sentença recorrida quanto à existência de justa causa para o despedimento e revogando-a na parte em que não reconheceu ao autor o direito à compensação pelas férias não gozadas entre 2001 e 2005, condenando a ré a pagar-lhe «17 dias de férias em cada um destes anos, pelo valor do salário efectivamente auferido naquelas datas, cujo montante será apurado no incidente de liquidação competente e a que acrescerão os juros de mora legais».

    É contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que pede se declare a ilicitude do despedimento, ao abrigo das seguintes conclusões: «1ª O A. foi, durante anos a fio, um trabalhador exemplar, que fez o sócio gerente tornar-se seu amigo íntimo e visita de casa e seu afilhado no segundo casamento.

    1. O seu trabalho nunca teve qualquer reparo, não havendo qualquer registo de uma chamada de atenção, sequer.

    2. Só durante o mês de Julho de 2006, único ano em que o recorrente gozou o seu período de férias integral é que “um enorme conjunto de infracções ‘praticadas’ todas no mesmo prédio e umas em cima das outras” surgiu! 4ª Mas, de todos os “erros” imputados ao recorrente, apenas com um foi confrontado: o que respeita ao empréstimo de 6 tijolos...

    3. Mas não defraudou o património da ré — porque os tijolos foram emprestados — não se vislumbrando aqui a violação de qualquer dever.

    4. E a verdade é que, tirando este falso erro, ao recorrente foi negada a possibilidade de ser confrontado com a existência dos erros que lhe foram imputados, tendo-lhe sido limitada [a] possibilidade de se defender com eficácia.

    5. Mas algumas das faltas, se tivessem ocorrido como foi alegado, o julgamento veio mostrar que estaria elencariam [sic] a caducidade do direito ao procedimento disciplinar.

    6. É o caso das infiltrações no terraço, que teriam ocorrido com as primeiras chuvas, por isso muitos — mais de dois, por certo, em Junho já não chove no Alentejo — meses antes da edição da nota de culpa.

    7. Aliás, a quantidade de água que as fotografias que se lhes referem, obtidas necessariamente em Agosto, quando o A. se encontrava de férias, mostram, é absolutamente incompatível com tanto tempo de seca escaldante como o do Alentejo nessa altura.

    8. Os factos que integram a base instrutória nos pontos 20 a 23 [correspondentes às alíneas DD) a GG) da matéria de facto provada, adiante discriminada], que foram considerados provados nunca foram em momento da resposta a tal matéria imputados ao A. e não podem ser levados em linha de conta na decisão.

    9. Quanto à parede da casa do gás, também caducara, ao tempo da nota da culpa, o direito ao exercício de procedimento disciplinar.

    10. Se aquela estava, relativamente ao prédio vizinho, desalinhada em cerca de 7 cm, estava desde o início da construção, muito tempo antes das “primeiras chuvas” e, por maioria de razão, muito antes da nota de culpa.

    11. Por outro lado, se o subempreiteiro contratado pela ré para colocar pavimento, o fez, como assumiu, com material menos adequado, isso não é infracção do recorrente.

    12. Se a ré fez os trabalhos de correcção a expensas suas, disso não pode o recorrente ser responsabilizado.

    13. Os tijolos do travamento são apenas 2 ou 3 que se situam entre o tubo e a parede, para que o tubo não se quase [sic] apenas suspenso, não é difícil acontecer um lapso desses, que, não sendo louvável, não tem a importância que se pretende dar.

    14. Quanto ao mais, como se disse no princípio, a ré até podia dizer tudo quanto quisesse. O A. não estava ao trabalho, mandado torpemente de férias.

    15. Seja como for, desde 1983 que o A. trabalhava para a ré e, ainda que fossem lapsos seus, o recorrente mereceria uma atitude diferente da ré.

    16. Sempre teria podido o recorrente dar uma explicação, tentar corrigir o erro, minimizar gastos, etc.

    17. E nunca seriam suficientes, mesmo que tivessem ocorrido tais faltas, para determinar a sanção mais penosa que o poder disciplinar pode impor.

    18. A ilicitude do despedimento, é evidente e só ocorreu porque a personalidade do sócio gerente da ré, em face da crise que afectava já a construção civil, soçobrou à tentação de fazer cessar um contrato com um trabalhador tão antigo, sem as inerentes obrigações.

    19. Houve, pois, pelo menos, a violação do disposto nos art.s 372.º e 382.º do Código do Trabalho.» A recorrida não contra-alegou.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

  3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: – Se foi limitada a possibilidade de o autor se defender com eficácia (conclusão 6.ª da alegação do recurso de revista); – Se, no caso, se verifica a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar de despedimento (conclusões 7.ª a 9.ª, 11.ª, 12.ª e 21.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista); – Se os factos pelos quais o autor foi despedido integram o conceito de justa causa de despedimento (conclusões 1.ª a 5.ª, 10.ª e 13.ª a 21.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

    Estando em causa um despedimento efectivado em 25 de Outubro de 2006, portanto, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003...

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