Acórdão nº 746/03.1TTALM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva pressupõe a susceptibilidade de mais do que um instrumento de regulamentação colectiva ser aplicável ao mesmo trabalhador, mas tal aplicação há-de radicar no princípio da filiação ou na existência de Portaria de Extensão.

  1. O contrato individual de trabalho não pode afastar o clausulado do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, a menos que seja para prever condições mais favoráveis ao trabalhador.

  2. Exercendo a ré a actividade de rebocar navios e gruas e outros engenhos flutuantes para e dos estaleiros navais e exercendo o autor as funções de maquinista de tráfego, a relação laboral entre eles estabelecida regula-se pelo CCT do Tráfego Fluvial, publicado no BTE n.º 29, de 08.08.1981, por via da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 27, de 27.02.1988.

  3. Da conjugação das cláusulas 42.ª e 54.ª do aludido CCT, resulta que o valor da retribuição/hora, para efeitos de trabalho suplementar, deve ser calculado levando em conta não só a retribuição base e as diuturnidades, mas também os subsídios que o trabalhador auferia.

  4. O facto de, em determinados períodos, a ré ter pago o trabalho suplementar, ao autor, com um acréscimo/hora superior ao previsto no referido CCT, não releva para efeitos do apuro das diferenças salariais que àquele são devidas em razão de no cálculo do valor/hora a ré só ter atendido à retribuição base e às diuturnidades.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Na presente acção emergente de contrato de trabalho proposta, no Tribunal do Trabalho de Almada, por AA contra BB, L.da, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de € 136.291,98, acrescida de juros de mora até integral pagamento, sendo € 91.463,11 a título de diferenças salariais (€ 52.930,64 referentes a trabalho suplementar prestado no período de Abril de 1989 a 31 de Dezembro de 2002, € 6.109,51 referentes aos subsídios de turno, por trabalho nocturno, por trabalho fora do tráfego local e por horário de terça a sábado, no período de Junho de 1995 a Dezembro de 1997 e € 32.422,96 relativos à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal, de Março de 1989 a Dezembro de 2002, inclusive) e € 44.828,87 a título de juros de mora já vencidos.

    Em resumo, o autor alegou o seguinte: - foi admitido ao serviço da CC, S. A., em 11 de Maio de 1972, para, subordinadamente, prestar a sua actividade profissional de maquinista; - em Março de 1989, a CC propôs-lhe a suspensão do contrato de trabalho, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1989, e a sua deslocação para a ré, mantendo as mesmas condições contratuais, quer as emergentes do contrato de trabalho, quer as emergentes do IRCT aplicável, o CCT para o Tráfego Fluvial; - em consequência disso, a partir de 1 de Abril de 1989 o autor passou a exercer a sua actividade profissional, por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, em rebocadores e outras embarcações ou engenhos flutuantes; - posteriormente, em 14 de Setembro de 1994, o autor aceitou a sua transferência da CC para a ré, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1994, nas mesmas condições contratuais; - o autor é associado no Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca; - a relação de trabalho entre o autor e a ré regulava-se pelo CCT para o Tráfego Fluvial publicado no BTE n.º 29, de 8.8.81, e posteriores alterações publicadas nos BTE’s n.º 14/84, n.º 40/86, n.º 48/90, n.º 48/91, n.º 12/93, n.º 11/94, n.º 15/95, n.º 17/96, n.º 17/97, n.º 20/98, n.º 20/99, n.º 20/2000 e n.º 20/2002; - o referido CCT foi tornado extensivo às empresas que, não estando inscritas na associação patronal outorgante, exerciam a actividade de tráfego fluvial, através das Portarias de Extensão publicadas nos BTE’s n.º 27/88, n.º 20/93, n.º 23/94, n.º 34/95, n.º 31/96, n.º 39/98 e n.º 41/2000; - por exigência da natureza da actividade da ré (rebocar navios, gruas e outros engenhos flutuantes para e dos estaleiros navais), a partir de Abril de 1989 o autor prestou, com regularidade, habitualidade e permanência, trabalho suplementar à ré e por ordem desta; - no cálculo da retribuição devida pela prestação do trabalho suplementar, a ré só levou em conta a remuneração base, não incluindo nesse cálculo as diuturnidades de antiguidade e categoria e os demais subsídios regulares e periódicos auferidos pelo autor (turno, gases e potência) previstos nas cláusulas 41.ª, 44.ª, 46.ª, 48.ª e 52.ª do aludido CCT, contrariando, assim, o disposto na cláusula 42.ª, n.º 2; - além disso, a partir de Abril de 1995, inclusive, a ré passou a pagar o trabalho suplementar prestado aos sábados, domingos e feriados com um acréscimo de 150%, inferior ao que até então tinha vigorado, que era de 200%, sem qualquer fundamento legal que o justificasse, uma vez que a cláusula 55.ª, n.º 1, do CCT determina que o trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados é remunerado com o acréscimo de 200%; - a ré não calculou na forma devida a remuneração dos subsídios (por ela denominados de gratificações) de turno, por trabalho nocturno, por trabalho fora do tráfego local e por horário de terça-feira a sábado, previstos nas cláusulas 52.ª, 53.ª e 33.ª do CCT referido e no art.º 4.12.4 do Manual da Empresa CC, uma vez que, no respectivo cálculo, apenas levou em consideração a remuneração base e diuturnidades e, no período de Junho de 1995 a Dezembro de 1887, somente a remuneração base; - a ré nunca incluiu a média do valor do trabalho suplementar prestado no cálculo da retribuição dos períodos de férias, nem nos subsídios de férias e de Natal, os quais, nos termos das cláusulas 56.ª, n.º 1, 59.ª, n.º 3 e 66.ª, n.º 1 do CCT do Tráfego Fluvial, não podem ser de montante inferior ao valor da retribuição efectiva que o autor normalmente auferia.

    A ré contestou, sustentando a improcedência total do pedido, alegando, em resumo, o seguinte: - aquando da suspensão do contrato de trabalho com a CC, para ir desempenhar funções para a ré, a partir de 1 de Abril de 1989, o autor, a CC e a ré celebraram um acordo que previa as condições em que o autor iria trabalhar para a ré; - nos termos desse acordo, o CCT do Tráfego Fluvial só era aplicável na ausência e/ou insuficiência das normas constantes, em primeiro lugar, do referido acordo e, em segundo lugar, do Contrato de Trabalho Vertical dos Metalúrgicos e Metalomecânicos corporizado no Manual da Empresa (CC); - esse acordo continha, ele próprio, uma sanção para o eventual incumprimento por parte da ré; - se a ré não cumprisse as condições de trabalho (incluindo as remuneratórias) que o autor vinha usufruindo na CC, aquando da suspensão e transferência, ele tinha o direito de regressar, de imediato, à CC; - o autor aceitou e assinou o referido acordo por sua livre e espontânea vontade, manteve-se na ré desde 1.4.89 até ao presente e ainda se mantém, sem alguma vez ter posto em causa o incumprimento, por parte da ré, das condições de trabalho, regalias e condições de retribuição acordadas tripartidamente, o que significa que o autor reconheceu que a ré cumpriu, ao longo deste 14 anos, com aquelas condições de trabalho; - se aquelas condições de trabalho, regalias e condições remuneratórias não lhe fossem mais favoráveis, não se entenderia que o autor e os seus colegas as tivessem querido salvaguardar, assinando o aludido acordo; - bem pelo contrário, quiseram que assim fosse, fizeram questão de as expressar por escrito para que dúvidas não persistissem e convencionaram, inclusive, hierarquizar o omisso [sic] quando, sob o art.º 12.º do referido documento, estipularam que, em todas as situações não especialmente previstas no presente contrato regeriam, em primeiro lugar, as normas da CC (entenda-se o Manual da Empresa) e só depois as normas do CCT do Sector Fluvial; - em 14 de Setembro de 1994, o autor celebrou um acordo de transferência definitiva da CC para a ré BB, reafirmando que pretendia continuar vinculado às normas do Manual da CC, regulamentação interna vigente na BB; - as condições de trabalho acordadas eram globalmente mais favoráveis do que as estabelecidas no CCT do Tráfego Fluvial e a retribuição que o autor auferiu ao serviço da ré sempre foi muito superior a qualquer valor previsto no CCT do Sector Fluvial.

    Na 1.ª instância, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada a pagar ao autor a quantia de € 124.053,89 (sendo € 52.930,64 a título de diferenças referentes ao trabalho suplementar, € 32.422,96 a título de diferenças na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal e € 38.700,29 a título de juros de mora vencidos até 27 de Junho de 2003), acrescida de juros de mora sobre a quantia de € 85.353,60, desde 28 de Junho de 2003.

    A ré apelou da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa anulado o julgamento e ordenado a sua consequente repetição, com prévio convite ao autor para completar a petição inicial (acórdão de 15.12.2005, de fls. 656 a 666 dos autos).

    Repetido o julgamento, foi proferida nova sentença (a fls. 1147 a 1228) que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 85.353,60 a título de diferenças salariais (€ 52.930,64 referentes ao trabalho suplementar e € 32.422,96 à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal) acrescida de juros de mora contados desde a data em que as quantias parcelares eram devidas até integral pagamento.

    Inconformados com a decisão, a ré e o autor interpuseram recurso de apelação, sendo o do autor a título subordinado.

    A Relação, no seu acórdão de 3.12.2008, de fls. 1786 a 1811 dos autos, alterou a matéria de facto, julgou improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a do autor e condenou a ré a pagar ao autor, para além dos montantes que já fora condenada a pagar na sentença, a...

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