Acórdão nº 5521/03.0TBALM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I – O juiz, ao elaborar a sentença, deve tomar posição sobre todos os factos dados como provados e não só perante aqueles que, na sua perspectiva, fundamentam o pedido.

II – Com efeito, tendo o A. perspectivado o seu pedido (de condenação da R. no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos) com alegação de factos integradores de duas causas de pedir (defeitos de fabrico do produto e defeitos de informação sobre a utilização do produto), a constatação da improcedência do pedido, com base numa delas (defeito de fabrico), obriga à ponderação do seu êxito na base da outra (defeito de informação).

III – Se o não fizer, a Relação, colocada perante a situação de total desconsideração de parte da matéria de facto dada como provada, por parte da 1ª instância, não pode recusar o conhecimento do mérito da pretensão do A., à luz desta outra causa, sob o pretexto de lhe ter sido apresentada uma “questão nova”, antes lhe competindo decidir da procedência ou da improcedência do pedido.

IV – O A., na acção de responsabilidade civil dirigida contra o produtor, com vista a obter ganho de causa, terá de alegar e provar os seus elementos constitutivos, a saber: os danos, os defeitos e o nexo causal entre estes e aqueles.

V – Se, em relação aos danos e aos defeitos a produção de prova cai no âmbito da normalidade, já a prova do nexo causal se apresenta, na maior parte das vezes, como sendo muito difícil: perante isso, as regras da experiência de vida, o id quod plerumque accidit e a teoria da causalidade adequada poderão permitir a preponderância da evidência, uma espécie de causalidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Almada, acção ordinária contra BB – Fábrica de Acessórios Industriais, S. A., pedindo a sua condenação no pagamento de 95,479,92 €, para além do que, em sede de liquidação, se apurar, como forma de indemnização dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência do acidente causado pela utilização de um puxador, fabricado pela R., que apresentava defeitos num dos seus materiais, ou na forma dos seus materiais, ou no momento da junção dos materiais, dando origem a uma fissura, actuando parte do material porcelânico, sob a forma de lâmina afiada, na sua mão direita. A R. contestou para defender a improcedência da acção, arguindo, por um lado, a caducidade do direito da A., atento o lapso de dez anos decorrido sobre a venda do material, e, por outro, impugnando parte da factualidade vertida na petição.

Na réplica, a A. contrariou a defesa excepcional arguida pela R..

O processo foi saneado e condensado e seguiu para julgamento dentro da normal tramitação.

Realizado este, foi a acção julgada improcedente.

Em vão, apelou a A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, na medida em que o julgado foi inteiramente confirmado.

Continuando irresignada, pede, ora, revista, a coberto das seguintes conclusões com que fechou a sua minuta: - Por razões que se desconhecem, vem persistindo, de modo intrépido e aparentemente árduo, uma recusa frontal da aplicação do Direito em vigor aos factos que compõem o que normalmente se designa por matéria de facto dada como provada, comprometendo forçadamente o bom sucesso desta causa...

- Os tribunais a quo ao entenderem não ter resultado demonstrada a existência de um defeito causador do acidente e dos consequentes e conexos danos, violaram o disposto no artigo 60º, nº 1, da Constituição, nos artigos 1º e 4º do Decreto-Lei nº 338/89, nos artigos 342º e 563º, do Código Civil, e a correcta interpretação dos artigos , e da Directiva 85/374/CEE do Conselho e aboliram o contributo interpretativo postulado, sob o considerando 6º desta.

Ao contrário do que é afirmado pela Relação de Lisboa, a Recorrente não confunde o ónus da prova do facto ilícito com o ónus da prova da culpa do produtor, pois basta ler com cuidado e alguma atenção (que nem sequer precisa de ser muita) um conteúdo do processo que normalmente se designa por matéria de facto dada como provada, e, em especial, os pontos no acórdão reproduzido sob os números 1, 3, 4, 7, 8, 9,10 e 11 (pág. 21 e 22).

- Nesta matéria de facto dada como provada, encontra-se inteiramente cumprido o tal ónus da prova do facto ilícito, aliás com inteiro sucesso, bem como o nexo de causalidade existente entre este e os danos, pelo que não se entende o que é que a Relação de Lisboa quis significar com tamanho absurdo, violando o disposto no artigo 342º, do Código Civil, e furtando-se a uma correcta interpretação do artigo 4º da Directiva 85/374/CEE do Conselho.

- Aliás, tendo ficado provado que “A autora aplicou uma pressão normal para conseguir abrir a porta através do movimento de torção necessário para o efeito”, bem como que o puxador é perigoso (“o único cuidado a ter prende-se com o facto de a porcelana partir” e que “uma vez partida deve ser manuseada com cuidado, porque zonas mais afiadas podem, eventualmente, cortar”) e que não é dado qualquer alerta acerca da perigosidade do mesmo (“O puxador adquirido pela autora não veio acompanhado de instrução ou advertência sobre o modo de utilização”), ENCONTRA-SE MAIS DO QUE DEMONSTRADO o defeito por falta de informação/advertência; - “Só quem se esqueceu dos óculos graduados respectivos em qualquer sítio de que já não se lembra (pelas tais razões que a Recorrente já disse que não quer saber...) é que pode afirmar inexistir nexo de causalidade entre a falta de advertência e o acidente sofrido pela Recorrente!!! Daí a violação do disposto no disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 338/89, do artigo 563º do CC e a incorrecta interpretação do artigo 1º da Directiva 85/374/CEE do Conselho” (sic).

- Parece-nos medianamente entendível que o “defeito de informação” constitui “em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada” (definição cfr. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 6ª ed., página 655) à produção dos danos da Recorrente porque, se a esta tivesse sido feita a devida advertência, provavelmente o uso teria sido de extrema cautela (com recurso às tais luvas especiais, à prova da porcelana partida), ou apenas teriam sido utilizados os puxadores como bibelots, evitando-se o acidente que aconteceu... – Isto não será demasiadamente óbvio? - A verdade é que a recorrente VIU A SUA MÃO SER CORTADA E DILACERADA NO DECORRER DE UMA UTILIZAÇÃO NORMAL! - A rejeição tenaz da existência de um “defeito de informação”, que entra pelos olhos dentro de uns e pela mão dentro de outros, viola o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 338/89 e fustiga a correcta interpretação do artigo 6º da Directiva 85/374/CEE do Conselho, pois ficou sobejamente demonstrado nos autos que o puxador em questão não “oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação” – texto dos referidos dispositivos.

- O puxador pode partir-se durante o uso a que é destinado e pode cortar severamente a mão do seu utilizador tal como a própria R. reconhece e NÃO ADVERTE no momento da aquisição – o que é preciso fazer mais para que se considere demonstrado provado o “defeito de informação”? - O produto apresenta-se assim inepto e não idóneo para a prossecução do fim a que se destina comercialmente; - Dispõem os referidos artigos 4º do Decreto-Lei nº 338/89 e 6º da Directiva que a expectativa de segurança do consumidor com relação a um produto deverá ser aferida objectivamente, ou seja, de acordo com a expectativa que aquele tem com relação a um determinado sector de consumo, que neste caso é o de puxadores de portas.

- Jamais pode prever-se que um puxador de porta se vá partir no interior da mão de um utilizador quando tem lugar uma utilização normal, a não ser que haja informação nesse sentido, mesmo que tal signifique uma quebra substancial nos níveis de vendas do produto perigoso ou potencialmente perigoso.

- Distinguem ainda os mesmos dispositivos – artigos 4º do Decreto-Lei nº 338/89 e 6º da Directiva – sem pretensão de esgotar o elenco, três elementos de valoração habilitados a aferir da LEGÍTIMA FALTA OBJECTIVA DE SEGURANÇA, são eles: a apresentação do produto, a utilização razoável do produto e o momento de entrada em circulação.

- O defeito pode não residir necessariamente no produto em si – intrinsecamente – mas provir da forma externa com que é apresentado ao mercado e assim demonstrando-se necessário analisar o modo com que ele o faz.

- Conforme ensina o Prof. Calvão da Silva, deverá indagar-se, valorizando-se, sobre todo o “processo de comercialização e de marketing, às campanhas de publicidade e promoção, à existência ou inexistência, adequação ou inadequação das informações e advertências sobre eventuais perigos do produto e às instruções quanto ao seu uso, enfim, a toda a vasta gama de estímulos que tende a criar no público a imagem e a expectativa de que se trata de um produto devidamente seguro”.

- Isto porque o público espera que a “segurança externa” do produto não falte na sua “segurança interna”! (in “Responsabilidade Civil do Produtor”, Colecção Teses, Almedina, Reimpressão, 1999, pág. 637).

- O produtor é responsável não só no âmbito de uma utilização normal, uso para que o produto foi especificamente concebido, mas também no de uma utilização errónea ou incorrecta, desde que, objectivamente, previsível.

- No considerando 6º da Directiva 85/374/CEE DO CONSELHO distingue-se a utilização previsível e razoável da que é abusiva: “...com vista a proteger a integridade física do consumidor e os seus bens, a qualidade defeituosa de um produto não deve ser determinada com base numa inaptidão do produto para utilização, mas com base numa falta da segurança que o público em geral pode legitimamente esperar; que esta segurança se avalia excluindo qualquer...

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