Acórdão nº 275/06.1TTPDL.1.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução17 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Na modalidade de seguro a prémio variável, a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.

II - Na modalidade de seguro a prémio fixo, as seguradoras, em regra, garantem a responsabilidade do tomador do seguro quanto aos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho sofridos pelas pessoas seguras identificadas na Apólice e relativamente ao montante de retribuições previamente indicado, sendo, no entanto, facultada aos contraentes, mediante acordo estabelecido e que deve constar expressamente das condições particulares da Apólice, a omissão da identificação, no todo ou em parte, das pessoas seguras.

III - Configurando o contrato de seguro celebrado entre a entidade empregadora e a seguradora um contrato de seguro a prémio fixo, sem que constasse das condições particulares da apólice qualquer acordo expresso quanto à omissão de identificação das pessoas seguras abrangidas pela referida apólice, há que concluir que tal contrato abrangia apenas os trabalhadores cujos nomes constassem expressamente da apólice, bem como as respectivas retribuições nela mencionadas.

IV - Deste modo, tendo a entidade empregadora apenas requerido a inclusão do trabalhador sinistrado na referida apólice em data posterior à do acidente, não pode a seguradora ser responsabilizada pela reparação do acidente em virtude de a apólice a prémio fixo cobrir apenas os trabalhadores nela expressamente mencionados.

V - Não pode ao envio de folhas de férias conferir-se o efeito de produzir a alteração do âmbito de cobertura de um contrato de seguro celebrado na modalidade de prémio fixo, ou seja, o mesmo efeito que esse envio produz num seguro contratado na modalidade de prémio variável.

VI - Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça.

VII - Tendo ficado demonstrado que a seguradora recebia mensalmente as folhas com a menção dos trabalhadores ao serviço da entidade empregadora e retribuições correspondentes e a indicação de um número de apólice que já não estava em vigor, número esse que era riscado e substituído pelo da apólice vigente, pelos serviços da seguradora, serviços estes que, nas folhas, apunham, igualmente, a menção de “fixo”, há que concluir que tais procedimentos podem, quando muito, denotar que a seguradora entendia ter havido lapso na indicação da apólice, relativamente aos trabalhadores que da mesma, efectivamente, constavam, e não criar a expectativa de se considerar que um trabalhador que não constava da apólice se encontrava abrangido pelo contrato celebrado na modalidade de prémio fixo.

VIII - Acresce que estando demonstrado que, semanas antes do acidente, a entidade empregadora havia sido alertada pela seguradora para a necessidade de actualizar os trabalhadores no contrato de seguro e tendo aquela, também, perfeito conhecimento da necessidade de formalizar, mediante propostas de alteração, cuja iniciativa só a ela cabia tomar, a inclusão ou exclusão de trabalhadores na apólice, não pode, igualmente, afirmar-se que a circunstância de a entidade empregadora não ter proposto, atempadamente, a alteração da apólice para nela incluir o Autor se haja devido, exclusivamente, a uma situação de confiança gerada pelo comportamento da seguradora.

IX – E, ainda que este comportamento da seguradora fosse de molde a determinar o agir da entidade empregadora, nos termos em que agiu, não pode deixar de afastar-se a protecção da sua boa fé – se é que de boa fé se pode falar –, dado o conhecimento que ela tinha do quadro de exigências a que estava vinculada, como empregadora, obrigada a transferir a responsabilidade infortunística, e como tomadora de um contrato de seguro, na modalidade de prémio fixo.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, em acção especial emergente de acidente de trabalho, instaurada mediante participação efectuada em 12 de Dezembro de 2006, frustada que foi a tentativa de conciliação, AA demandou, com o patrocínio do Ministério Público, Quinta de S... - Animação Turística, Lda.

e Açoreana - Companhia de Seguros, S.A.

, pedindo que, apurada qual a entidade responsável pela reparação do acidente de que foi vítima, quando, no dia 15 de Maio, trabalhava para a 1.ª Ré, — ou a proporção da responsabilidade de cada uma das demandadas —, fossem as mesmas condenadas nas prestações que indicou no articulado inicial.

Ambas as Rés contestaram: a seguradora, alegando que a responsabilidade pelo acidente não estava para si transferida, uma vez que o contrato de seguro, celebrado com a empregadora, não abrangia o Autor; a Ré empregadora, defendendo que o sinistrado estava abrangido pelo contrato de seguro, pois sempre pagou os respectivos prémios e a seguradora sempre os aceitou.

O Instituto de Gestão de Regimes de Segurança Social apresentou pedido de reembolso de prestações de subsídio de doença que pagou ao Autor, no período compreendido entre 15 de Maio e 18 de Dezembro de 2006, no montante de € 1.783,38.

Proferido despacho saneador e organizada a condensação, prosseguiram os autos seus termos e, tendo um primeiro julgamento sido anulado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em recurso interposto pela Ré empregadora, veio, após a realização da segunda audiência, a ser lavrada nova sentença que decidiu julgar improcedente a acção contra a Ré seguradora e parcialmente procedente contra a Ré empregadora, condenando-a a pagar ao Autor: — o «capital calculado com base numa pensão anual de € 931.71 (novecentos e trinta e um euros e setenta e um cêntimos), devido a partir de 15 de Novembro de 2006 e acrescido de juros desde esta data»; — «a quantia de € 2.631,54 (dois mil seiscentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária»; — «a quantia de € 621,91 (seiscentos e vinte e um euros e noventa e um cêntimos) de óculos e medicamentos». A mesma Ré foi, outrossim, condenada a «assegurar ao A. a vigilância futura da sua acuidade visual, como previsto no auto de exame médico, e a pagar as despesas que daí resultem».

Finalmente, foi julgado procedente o pedido do Instituto de Gestão de Regimes de Segurança Social e a Ré empregadora condenada «a pagar-lhe a quantia de € 1.783,38 (mil setecentos e oitenta e três euros e trinta e oito cêntimos)».

  1. Para ver alterada a sentença, visando a sua absolvição e a condenação da Ré seguradora, interpôs a Ré “Quintas de S...” recurso de apelação, no qual, impugnando parte da decisão proferida sobre a matéria de facto, defendeu que o contrato de seguro em causa contemplava o Autor.

    O Tribunal da Relação de Lisboa desatendeu o pedido atinente à alteração da matéria de facto, por não constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão na parte impugnada, designadamente por não terem sido gravadas as provas oralmente produzidas em audiência, e, no entendimento de que o contrato de seguro celebrado entre as partes, vigente à data do sinistro, não contemplava o Autor, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença.

    Veio a mesma Ré pedir revista, tendo, oportunamente, apresentado a respectiva alegação, com as conclusões que, a seguir, se transcrevem: «a) Entendeu o tribunal a quo julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ora recorrente e, em consequência, confirmou a douta sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada que condenou aquela a pagar ao A, recorrido, o capital calculado com base numa pensão anual de € 931,71 (novecentos e trinta e um euros e setenta e um cêntimos), devido a partir de 15 de Novembro de 2006 e acrescido de juros desde essa data, a quantia de € 2.631,54 (dois mil seiscentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária, a quantia de € 621,91 (seiscentos e vinte e um euros e noventa e um cêntimos) de óculos e medicamentos, as-segurar ao A a vigilância futura da sua acuidade visual e a pagar as despesas que daí resultem, e, finalmente, a responsabilizar a recor-rente perante o Instituto de Gestão de Regimes de Segurança Social, condenando aquela a pagar a este o montante de € 1.783,38 (mil setecentos e oitenta e três euros e trinta e oito cêntimos), imputando à recorrente o erro pela indicação do número da apólice de seguro de acidentes de trabalho referente ao A; b) Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão ao douto acórdão proferido, por erro de interpretação e aplicação de lei substantiva, designadamente, do regime da Apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, aprovada pela Norma n.º 12/99-R, de 08.11 (Regulamento n.º 27/99, publicado em 30.11.1999, Diário da República, II Série, n.º 279), com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000-R, de 13.11 (Regulamento n.º 32/2000, publicado em 29.11.2000, Diário da República, II Série, n.º 276), n.º 16/2000-R, de 21.12 (Regulamento n.º 3/2001, de 19.01.2001, Diário da República, II Série, n.º 16) e [artigo] 334.º, do Código de Processo Civil [quereria, certamente, escrever-se Código Civil]; c) Desde 27 de Junho de 2003 (data da alegada anulação da apólice 163252) até Maio de 2006 (data do acidente do...

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